segunda-feira, 30 de junho de 2008

O Duplo e a Transformação

Existe um momento, um instante, em um ciclo sagrado, um movimento interno. O instante da transformação. O momento em que as catarses vão se sintonizando e provocando um fluxo interno maior, quando a catábase é aparente. Como contrações internas disparadas pelo nosso centro, que urge por despertar. Tudo se encaminha, começa a se recriar.O que imaginamos do mundo é quebrado. O imaginário é quebrado. Não conseguimos mais criar nossas vidas baseados nos nossos desejos e incompreensões. Nas infantilidades, no superficial que nos cerca, naquilo que sempre almejamos ser, mas não é nosso. Não podemos ter a vida de outro, não podemos deixar de ser quem somos em nome do que nos impõem. Algo interno faz nos confrontarmos com nossos erros e fraquezas. Falhas de comportamento, pensamentos, mentiras que criamos e acreditamos.

Chegou o movimento implacável de destruir o castelo de cartas que montamos em nossas vidas, aquele que lutamos para ser cada vez maior.O amontoado de criações pessoais irreais de nossa existência. Toda uma rede de justificativas irracionais nos explica. Nossos traumas, inseguranças, fantasias, erros, incongruências e tapeações. Onde não somos sinceros com quem que realmente somos em nome de nos relacionarmos, procurando realizar os desejos coletivos que incorporamos por osmose. Fomos criados com uma natureza e nossos reais objetivos. Acabamos sendo projetados pela sociedade para atendermos suas exigências. Perdidos entre o que somos e o que querem. Procuramos nos convencer de que o coletivo é quem nos dá quem somos. Todas as explicações de moral e ciência que nos justificam. Entretanto, o que querem que sejamos não é ser. Colabora com o que imaginamos sobre tudo que pensamos saber, criando uma nuvem de explicações pessoais. Um código interno de conduta voltado a sermos aceitos. O fenômeno de nossa formulação e geração de uma casca, que vai seguir apenas vivendo, sem procurar acessar ao próprio interior, a própria realidade, ao Si Mesmo.

Quando mais somos exigidos, mais o castelo de cartas aumenta. Mais intrincado, complexo, interminável, até nos perdemos em seus domínios. Uma armadilha nossa para nos condicionar e tentarmos a adaptação. O contrato de compromisso para com o mundo. O testamento para a posteridade. A forma como seremos lembrados por todos após a nossa morte.Todas as formas de escape do castelo de cartas são distorcidas. Perdem seu poder, viram veículos de massa. Não conseguimos nos encontrar naquilo que deveria nos mostrar quem somos. Viram conceitos, formas intelectuais, teorias, erudição, composições não acessíveis e pouco compreensíveis. O que deveria ser simples e torna-se um jogo de especulações intelectuais. É cifrado, torna-se mais complexo do que é possível ser, um labirinto cada vez maior. O castelo de cartas aumenta na medida de nossa distorção perante o Eu Real.

Quanto mais distantes de quem somos, maiores as justificativas, desculpas, explicações e atenções que temos para com nossa casca externa. Mais necessitamos falar sobre nós, mais energia precisamos gastar com as distorções, mais temos de expor a “obra” de gerada, para ser aceita e compreendida por outros. Vivendo na circunferência, nunca procurando o ponto central. Deixando-se de lado, em nome de eternamente tentar aprimorar a obra irreal de quem se almeja ser. A obra que necessita de retoques e melhorias e aprimoramentos. Atenção e atenção e atenção. Quanto mais nos esquecemos de nossa essência, mais trabalho temos conosco. Conhecer a Si Mesmo é esquecer de si. Quanto menos se conhece de Si Mesmo, mais temos de conhecer sobre quem não somos, mas lutamos para ser.

Sob o domínio do ego, somos apenas projeções.Toda a força da percepção é perdida, pois nosso foco é errôneo. O castelo de cartas sustenta a casca. A casca torna-se complexa e não sabe o que fazer perante a vida. A vida torna-se difícil. Não temos controle sobre quem achamos que somos. Reações e mais reações sem sentido em momentos críticos. O que não somos ganha cada vez mais força. Torna-se mais fixo, espalha-se com facilidade, consome todos nossos recursos, nos impede de compreender a realidade, nos impulsiona a crer nos motivos de nossa criação. A apostar nas mentiras coletivas, a protegê-las, a viver por elas. Nos aprisiona em ideais, em grupos, em visões e explicações do mundo. Vai nos consumindo dia a dia.Nesse estado de esquecimento total, pode haver a lembrança de quem somos. Pode ser que algo finalmente funcione e nos toque. O momento que o Self escolhe. Não está nas mãos da casca voltar-se ao Si Mesmo. A casca não tem potencial para isso. E quanto mais os anos passam, mais o ego tem poder sobre o sistema. Mais o ego distorce tudo a volta. Menos janelas para o Self existem. Menos escutamos a sua voz silenciosa, no fundo de nossas aspirações cada vez mais remotas. Menos observamos nossas inspirações, nosso respirar profundo, nosso contato com o divino, nosso olhar para as estrelas, a semente da qual nascemos, crescemos, frutificamos. Encobertos pela erva daninha de nossa gênese no social. Nossa complicada e ilusória inserção na sociedade. No consumo, no mercado de trabalho, naquilo tudo que o Marketing insiste em criar.

Existem ilusões múltiplas para todos. Desde as de consumo, às de relacionamento, de comportamento, futuro, vida e assim por diante. Como as complexas ilusões espirituais. As incorreções que nos falam. De vozes, que ouviram vozes, que ouviram vozes. Aquele que tocou a fonte e tentou passar adiante. O que tocou é sempre incompreendido, pois sua voz está conectada a experiência com o divino. Quem ouve o divino só é compreendido por aquele que também o ouve. Para conceber o fenômeno divino, devemos ter abertas as portas da percepção. Mesmo ouvindo da forma mais simples e inteligível possível, quem não é capaz de ouvir o divino, não poderá entender suas mensagens. O canal necessita de ser conquistado. E a mensagem vai perdendo sua essência, de voz em voz, de incompreensão em incompreensão, daquele que é o canal da manifestação, ao último a tomar contato com o que foi percebido. Assim, temos diversas formas de compreensão do divino. Desde a mais simples, na fonte. Até a mais complexa e distante. Quanto mais distante, mais fácil de ser distorcida. Mais dependente da crença. Mas desconectada de sua essência. Maior o caminho para conexão. A vontade divina é restrita a alguma interpretação que será passada para a coletividade. Do sublime e coerente, à religião de massa, que luta por fiéis. Que impõe sua visão distorcida pela força, pela catequese, pelo convencimento, sem experiência alguma, com ilusões, sem capacidade de prover a experiência real do contato com Si Mesmo.

A deriva do castelo de cartas se complica. Os mais inteligentes criam o seu próprio, intelectualizado, erudito, cheio de “sacadas” brilhantes. Uma imaginação poderosa é capaz de mesclar as ilusões do mundo com o imaginário, produzindo um todo de símbolos avançado, que gera uma falácia espiritual insofismável. O teleológico combinado ao perceptivo e controle pelo ego. A vontade que cria universos, mesclado com práticas avançadas de espiritualidade, combinada com toda uma refinada busca e expressões de um castelo de cartas primoroso. A casca é sofisticada, cada vez mais impenetrável. O ego constrói seus conhecimentos de forma a conseguir poder absoluto. Não só poder sobre o sistema pessoal, mas uma verdadeira panacéia, que é capaz de convencer a todos. Do buscador ao orientador. Aquele que com sua cultura é o líder de movimentos espirituais intrincados. Um guru apoteótico. É inquestionável, pois suas vivências, conhecimento e pseudo-sabedoria são incomparáveis. O senhor das ilusões complexas.

Existem aqueles menos capacitados para tamanha viagem simbólica. Esse é aquele que procura o castelo de cartas simples e que apenas diga o que tem de fazer para ser aceito pelo divino. Segue uma vida de decisões simples, sem empenho espiritual, mas recheado de fé e boa vontade para com o próximo. Não toca o divino, crer é sua única meta. Sente-se guiado por uma força maior e se julga especial por isso. Busca a orientação de sacerdotes, pastores, pais de santo e no máximo, gurus. Tange-se pela simplicidade, não é capaz de perceber-se e nem tão pouco se interessa por isso. Vive seus dias fugindo do assombro. Ou penetra os mistérios da fé de forma fervorosa e procura converter a todos. O que é bom para ele, é bom para o coletivo.

Existem outros diversos tipos. Todos arraigados em suas ilusões pessoais e seu contato com o imaginário. Todos crêem que o contato com o divino é sublime. E que o contato com o Self os tornará mestres no amor e na serenidade. Que o espiritual vencerá a todas as dores, que haverá fraternidade, liberdade, uma sociedade melhor. Todas as aspirações religiosas inclinam para a paz. Ter fé, ou espiritualizar-se é contribuir para um mundo melhor, para que exista a fraternidade universal, a beleza, um reino do que é dito como sendo o melhor para a humanidade. Todos imaginam que ao centrar-se, vencerem o ego e as cascas, se tornarão modelos para que os outros se inspirem e colaborem para que o mundo do sonho coletivo desapareça. Serão ferramentas da libertação. Seguirão avatares divinos que vieram para orientar a humanidade e colocar nossa sociedade em um novo patamar. No centro, o sossego interior. Tornar-se-ão unos com a Divindade.

Falácias das ilusões do coletivo.

Não há como superar o ego sem vencê-lo. Sem superar todos os seus mecanismos de controle, que estão inseridos em nós há gerações. O ego é coletivo e foi aprimorado por milênios. A sociedade se aprimorou, desde suas relações, como em seus mecanismos de escravidão. Vencer ao ego é um caminho complexo, pesado, difícil, muitas vezes de dor e lenta auto-superação. Temos de ir quebrando todas as correntes, suas amarras, lutar contra as cascas, contra o coletivo. Perder o controle sobre nossas vidas. Entrar na definitiva catábase, antes da contemplação de quem somos realmente. Não é fácil, não é simples, não existe fórmula. Não está descrito totalmente. E tudo que descobrimos a respeito, o ego toma para si e distorce. Pensamos ter escapado e lá estamos sob domínio novamente. Cultuamos nosso ego a vida toda. Damos a ele todo o poder, toda a energia que temos. Nos perdemos cada vez mais em sua tirania. E o ego é apenas parte, nunca o centro. A parte que não sabe ser o centro.

No instante exato, somos divididos em dois e uma das partes tem de morrer. Dois guerreiros iguais em cada parte, lutando um contra o outro. A principio, o ego tem todos os poderes e a luta é desigual. Ficamos perdidos no centro, com o ego usando nossa mente e nos desencaminhando cada vez mais. A mente nos coloca em jogos de imaginação. As vozes interiores de outros seres que criamos nos desorientam. Não sabemos quem é o senhor do que acontece conosco. Temos de conduzir a nossa vida no meio disso tudo. E temos de ir vencendo o ego, parte por parte, elemento por elemento. O ego não cede. Absorve nosso progresso e deseja dominar o outro com o que conquistamos. Troca nossas prioridades, nos desorienta.

Perceber-se é dolorido. É um processo sem retorno. Não se sabe por onde começar, nem por onde seguir. Nem tão pouco a sua conclusão. A vida toda foi um andar em círculos, criar a própria fortaleza, onde estaríamos presos eternamente. Temos a noção do quanto sempre estivemos perdidos. Estaremos muito mais. Nada mais faz sentido. Entramos em uma total desorientação. Começamos a fantasiar e entrar novamente sob o domínio do imaginário. Imaginando-se. Planejando-se. Afastando-se de quem se é novamente.

O caminho além das cascas é o inicio da batalha. Nunca houve paz anteriormente. Nunca haverá novamente. A compreensão mostra o árduo a seguir. Não estar perdido nos choca com a realidade. Com quem somos. Com quem os outros são. Percebe-se que o mundo é um amontoado de ilusões. Que poucos valem a pena. Que a sociedade não tem valor algum. Todos lutando para permanecerem presos. Todos alimentando-se de ilusão.Apenas a realidade.

O ego coletivo não existe sem motivo. O controle tem seu sentido. Quem está além dele não é bem vindo. Pode torna-se como um trickster, que ri e se diverte da inconsciência alheia. Pode tornar-se um manipulador. Pode gerar confusão, destroçar valores, questionar o fundamental.No reinos do Self, a moral coletiva não é capaz de penetrar. A moral coletiva é um inexpressivo e inconsistente sistema que não faz sentido. Funciona apenas como método de controle para manter a enorme máquina funcionando. Submeter-se a isso, só faz sentido para suprir as necessidades de sobrevivência. A religião torna-se apenas um conjunto de crenças morais. O restante vai perdendo seu viço e mostrando suas falhas e infeliz finalidade.

O que a ilusão coletiva mostrava ser um caminho de paz e de melhora para o mundo, desmascarou-se. Estamos sem máscaras. As pessoas sem máscaras. Tudo a nosso redor, visceralmente se revelando. Nesse momento, a atitude que temos perante todos é que conta. Vai depender de quem realmente somos.

Quem somos além de todos os mecanismos de controle.Se existe toda essa sofisticação para nos manter dormindo, dominados e controlados, o que há dentro de nós, que é tão temeroso?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Fortaleza da Ilusão


Estar no coletivo é moldar-se e esquecer-se cada vez mais e mais. Encontrar-se no coletivo e buscar a individualidade é tentar encontrar no que o coletivo aceita e recomenda uma identidade. Produzir um papel, um mito pessoal, uma máscara para o todo e inserir-se como mais um, sendo reconhecido pelos demais. A escolha da máscara é feita baseada no nosso eu real, porém com adaptações coletivas, com um grau maior ou menor de dor no contato com os outros em todas suas manifestações. É duro aprender a relacionar-se, a ceder e a endurecer, a criar, nutrir e fixar a personalidade. São necessários aqueles que vão nos ensinar a viver perante o mundo que tanto espera de nós.

Ao mesmo tempo em que o ego vai colocando suas máscaras sobre nós e criando seu domínio tirânico, como falso centro, vai tentando se destacar do restante das pessoas, procurando estender seus “poderes” a todos que nos cercam. Procurando uma forma de individualidade, de diferença, para não ser apenas mais um. O ego deseja antes de tudo, controlar os mecanismos de controle, sendo o falso centro não só de nós, mas de todos. Isso vai depender de até aonde chegamos em nossa vida social. Apenas em nossa família, em nossa vizinhança, trabalho, cidade, estado, país e assim por diante. O ego não procura a diferença dentro de si, aquilo que nos faz únicos. Procura a diferença para com os outros, aquilo que nos faz únicos perante o meio. A diferença é aquilo que nos projeta para o centro de nossa existência. Não é o que nos faz sermos notados. Não é uma forma de dizermos que somos melhores que os outros. Ou que estamos além das pessoas, ou vivemos mais, sabemos mais, conhecemos mais, temos mais inteligência, competência, expressão, fama, “um longo e árduo caminho para chegar aqui”, “que temos tanto a oferecer, tanto a mostrar” e assim por diante. Qualquer sentimento de algo mais ou além quanto ao outro, é expressão do ego. Pois sabemos no nosso intimo o que é nosso e o que não é. O outro não é motivo de comparação. Não é parâmetro. O outro é outro e nós somos quem somos, nada mais, nada menos. A experiência do Si Mesmo está além da comparação, da presunção, de mostrar a todos que ela existe. Qualquer coisa nossa é apenas para nós e para mais ninguém.

Não sou melhor ou pior do que ninguém. Sou apenas eu sem precisar de mais nada, mais ninguém, nada externo, nada que me coloque acima ou abaixo de qualquer coisa. A experiência de encontrar a mim mesmo, de viver quem sou, de estar comigo, basta. Estar-se basta. Perceber-se é perceber a tudo. Perceber-se é compreender que não é necessário compreender-se. Que a busca da auto compreensão é a entrada em um labirinto de auto análise interminável. É entrar na explicação de si mesmo. O Si Mesmo se manifesta por fenômeno, não é palpável, não é tangível, não é tocável. Não é para ser compreendido. Quem somos não carece de explicação. Basta ser e nada mais. Não é necessário ser compreensível aos outros. Nem nos explicarmos a cada instante. Não precisamos de nos justificar, nem falar os motivos de cada erro ou de cada acerto. A maturidade e o acesso ao Self vai nos talhando no caminho. O aprendizado é eterno.

O contato com o Self nos diferencia de uma forma que não precisamos ser diferentes de ninguém. Existe a vaidade, o cuidado consigo mesmo, a luxuria, a sensualidade, a beleza, os prazeres, o sadismo. Todos além dos padrões de moral. Coisas que podem estar ligadas ao Verdadeiro Eu e de sua expressão. Existe o contato com o divino. O real contato, aquele que acontece, que é real, verdadeiro, sensível, perceptível.

A busca da individualidade perante os outros, nos seduz. A necessidade de termos algo que os outros não têm, tanto positiva como negativamente, é a entrada para o mundo do jogo sutil e sempre sádico, da construção de um mundo imaginário que nos diferencia e dá destaque perante os outros. Criamos vantagens perante os outros. Tanto boas, como ruins, de forma a dizermos que não somos iguais ao grande mundo coletivo que nos devora. Mundo coletivo criado pela junção de todos os egos. O grande Ego Coletivo, que nos devora cada instante e toda nossa energia. O mundo coletivo que gera ilusões gerais que absorvem a todas as pessoas, que lutam para mantê-lo como algo real e palpável. Esse enorme e progressista sociedade, toda criada em justiça e na luta para que seja real, que dá aos justos, honestos, esforçados e trabalhadores, reconhecimento e uma vida boa; é falsa e mentirosa. É uma ilusão coletiva. Apenas uma forma de controle, uma forma que seduz, domina, consome, nos faz esquecer de procurar no nosso centro quem somos e não quem querem que sejamos. Nos alicia, engana, promete. Como um político falastrão, garante todas as maravilhas possíveis. Todas aquelas com que sonhamos e nos entregamos. Criamos sonhos em cima de sonhos. Ilusões de quem queremos ser para vencer na vida, para sobrevivermos, para estarmos além dos outros, para sermos exatamente como os outros que têm sucesso são.

Para que queremos ser como aqueles que têm sucesso? O que eles têm de tão especial? Um ego que controla outros egos. Um ego que é reconhecido pelos outros egos. A sensação de que se está no controle, que se tem poder, essencialmente mais poder que outros egos. O poder não é algo tangível coletivamente. O poder de um ego sobre outro é como uma casca que comanda uma outra casca. Um nada que reina sobre o nada. O rei está nu. Imagina belas roupas imaginárias, que todos admiram, mas está nu. Todos elogiam as roupas imaginarias do rei, ou por temê-lo, ou por desejarem estar próximos de quem tem poder (e poder compartilhá-lo), ou por desejarem ser como ele, ou estarem estar em seu lugar. Ninguém olha o rei nu e procura ver em que local estão as próprias roupas. Nenhum é capaz de rir da nudez do rei. Ao ver o ridículo coletivo, poucos são capazes de ver o próprio ridículo. Na insolitez do mundo ilusório, não há chave alguma para o encontro do Si Mesmo. Ali existe apenas a ilusão, aquela de sermos quem não somos, e sermos menos ainda, ao assumir papéis que em nada tem relação conosco.




Todos aceitam os papéis coletivos que são impostos. Tentam ao máximo se adaptar a eles. Tentam executar as tarefas desse papel da forma mais perfeita. Tentam ser os melhores personagens possíveis. Tentam ter o que todos têm. Tentam ser compreensíveis. Tentam ser os incompreendidos, mal humorados, mórbidos, realistas, o que nunca são enganados. Tentam transgredir. Serem os que não aceitam nada. Os que não se adaptam. Os que são diferentes e estão além da podridão da sociedade. Ser o que está além da sociedade é cumprir mais um dos papéis que ela mesma nos impõe. Somos os exemplos do que ninguém deve ser. E através de nós, todos podem perceber o que é estar de acordo. A diferença é aquilo que nos projeta para o centro de nossa existência. Não é aquilo que nos faz termos atenção do outro. Sermos o foco dos problemas. Sermos os eternos incompreendidos, criando em nós confusão para o meio. Pode ser um principio de reação para estarmos além da ilusão coletiva, desde que nos envie para o centro e faça com que compreendamos que não fazemos parte. Que somos únicos e que somos quem somos lá no íntimo.

A ilusão é sádica. Esconde quem somos perante o mundo. Assim como nos entregamos a ela, criando coisas imaginárias. Criando que somos santos, que temos acesso ao divino, imaginando estar vendo anjos, deuses e demônios. Imaginamos que somos especiais, pois algo superior fala conosco. Acreditamos que nossas orações são sempre atendidas, que temos poderes sobrenaturais. Que somos bondosos. Que somos mais religiosos que os outros. Que temos uma crença verdadeira. Que a nossa crença é mais correta. Que aquilo que imaginamos é uma visão. Que as visões que temos são reais. Que os nossos sonhos são sempre premonições. Que conseguimos sentir o que vai acontecer. Que conhecemos as pessoas. Que ninguém é capaz de nos enganar. Que somos abençoados. Que somos mais abençoados que os outros. Que conhecemos pessoas santas. Que aqueles que nos guiam são mais santos que os que guiam outros. Que conseguimos compreender o espiritual. Que seremos salvos. Que estamos em contato. Que divindades apareceram em nossos rituais. Que nossas oferendas são sempre aceitas. Que estamos perante de entidades verdadeiras. Que a nossa religião tem mistérios que as outras não têm. Que existem mistérios. Que compreendemos o mundo pela razão. Que a razão é capaz de explicar alguma coisa. Que temos inteligência o suficiente para compreender tudo que é certo e o que é errado. Que nos adequamos ao que o divino espera da sociedade. Que estamos fazendo o papel de um bom crente. Que a nossa magia funciona. Que estamos em uma ordem que nos dá respostas que ninguém tem. Que temos os melhores livros. Que compreendemos o que está ali escrito. Que livros tem todas as respostas. Que podemos seguir nosso caminho sozinhos. Que podemos ensinar alguém. Que podemos ver significado em tudo. Que tudo que nos cerca tem algum significado.

O ego combina pseudo-resultados com suas necessidades de afirmação. Mescla aquilo que achamos ter sido um contato direto, com suas aspirações e vai construindo um mundo ilusório de percepções distorcidas. Pensamos estarmos em um caminho reto, que conseguimos transcender sempre. Sem vencer o domínio do ego, estamos presos em nossos paradigmas, em nossas visões de mundo, que recebemos da espiritualidade coletiva, aquela que existe apenas e unicamente para sentirmos que transcendemos, sem ir a lugar algum. Acumulamos visões e ensinamentos de caminhos diferentes, de religiões distintas, daquilo tudo que vimos durante a vida, sem o contato real e direto com o que pretendemos saber. O resultado é uma parafernália de conhecimentos que não nos tocaram, gerando um amalgama inútil de pretensões. Falácias verbais que jogamos contra os outros, tentando doutrinar os que nos ouvem, ao mesmo tempo procurando nos convencer de que estamos certos. Qualquer negação do que falamos é um afronta pessoal. Uma afronta que gera uma disputa de egos, com argumentações estúpidas, que tem por fim o objetivo de doutrinar e convencer que nossa vivencia foi mais forte, ou simplesmente real. A comprovação da insegurança do ego, que sabe que tudo que fez foi construído. E que uma voz no fundo diz que não foi. Ou, que mente tão bem para si mesmo que não é capaz de ver o que criou. E de que é dependente. Viver sem ter o domínio que se espera sobre o espiritual é um fato gerador de terror.

O mundo belo e explicativo moldado pela ilusão é uma mentira pela qual lutamos. Aprendemos a explicar bem o que supomos saber e a convencer. Gastamos energia e mais energia tentando mostrar ao outro que temos valor, que conseguimos controlar, que sabemos, que tudo que vivemos é real. Precisamos da ilusão para sobreviver. Precisamos de mantê-la e aumentá-la. No nosso mundo imaginário temos controle, somos reis. Em nossas crenças, além daquelas crenças coletivas, chamadas notadamente de fé, a que cega e que exige que vivamos na escuridão, somos algo que o coletivo deva se espelhar. Quem não se vê corretamente no espelho, sempre procura um reflexo conhecido. Quem necessita de servir de espelho ao outro, reflete coisas as quais não pertencem a ele. Não reflete a si mesmo. É apenas uma projeção. Ser uma projeção é viver uma vida que não é própria. O que vive para orientar, para mostrar o caminho, não vive o próprio caminho. Apenas quem vive o próprio caminho, é fiel a Si Mesmo. Sem conhecer a Si Mesmo, não há o que dizer. Conhecendo-se, não há mais o que dizer, nem a necessidade de se falar.

Viver para criar novas ilusões e lutar para sejam aceitas. Lutar por atenção do coletivo, se inserindo nele ou o negando. Lutar para manter aparências. Preocupar-se com a visão do outro, com o julgamento do outro, com o valor do outro. O outro não é capaz de nos ver, apenas a si e o que existe de coletivo em nós. Tanto não tem olhos para perceber algo além em quem somos como não é capaz de ver em si. Só teremos valor para alguém, se nos inserirmos em seus valores coletivos que esse outro diz serem seus. Ou se mudarmos os valores coletivos do outro, para os nossos valores coletivos. Qual é o melhor valor? O meu ilusório, ou o irreal do outro? É evidente que o melhor valor é aquele que vence. Qual ego exerce melhor controle, que estende mais seu domínio? Esse é o ego que tem sucesso e que é o modelo para os outros egos da coletividade. Tudo mascarado com o politicamente correto, ou o argumento hipócrita. Ou seja, o ego que vence está fazendo bem para o que caiu. Quem domina faz bem para o outro. Quem joga, controla, destrói, vence, pisa, é sádico, está fazendo um bem. Entretanto existe aí uma falácia, pois jogar, controlar, destruir, vencer, pisar e ser sádico, podem ser características do Verdadeiro Eu da pessoa. E isso ser expressão do Self.

Nos reinos do Self, a moral coletiva é inexistente.

Ali existe a fria sinceridade. Aquela que destroça o coletivo. Que mostra o pútrido que vive dentro das pessoas. Que força a transgressão, que nos joga para a marginalidade. O que somos, somos. Não existem justificativas, nem explicações. Num mundo onde toda explicação é uma justificativa. É difícil de conviver com a própria morbidez, se o coletivo não a aprova e somos obrigados a mostrar uma máscara simpática para podermos ser aceitos, podermos trabalhar, ganhar o dinheiro que precisamos, sobreviver. O coletivo reage contra a transgressão. Reage contra a perda de domínio sobre cada um de nós. Todos se tornam agentes para superar a nossa transgressão. Todos são inimigos de nossa marginalidade. Ninguém quer compreender, pensar, ver, enxergar, entender, superar, transcender. Ninguém quer superar. Todos fazem absoluta questão de procurarem os caminhos que os mantenham no sonho coletivo. Na Fortaleza da Ilusão. Não existem salvadores. Todos os caminhos para o encontro do Self são adulterados para não surtirem efeito. Os poucos acessos, em estados alterados de consciência, em estados profundos de meditação, nos momentos de crise, perante quem possa nos levar ao outro lado, são adulterados pelo ego. Pois o ego se apropria desses conhecimentos e os distorce, de forma que não encontremos o caminho e nos mantenhamos eternamente sob o seu domínio enquanto vivermos. Nossas fraquezas nos seduzem a nos mantermos presos e a nunca transcender, ir além, superar, acessar de verdade. A termos experiências reais. A conseguirmos tocar e não apenas imaginar.

Nada além da Fortaleza da Ilusão, onde somos o que queiramos ser. Onde imaginamos ser algo que nos coloque em destaque. O nosso mundo criado por nós para nos sentirmos seguros. Onde além dele existe o terror, o medo, o terrível. O mundo que criamos para termos segurança perante o grande ser devorador que é o mundo. Aquele que nos escraviza e nos afasta de quem somos. Que se alimenta de nossas ilusões. Que joga com sedução, para que sejamos controlados.

Encontrar a Si Mesmo é um novo jogo. O inicio de uma jornada. Onde encontramos forças para superar a sedução do mundo. Controlarmos em nós a tendência de sermos apenas mais uma pedra na imensa parede. Uma parede morta, sem expressão, sem gosto, nem cheiro. Uma parede onipresente. Que nos diz que a adequação, mesmo inadequada é o caminho. Como vencer a programação que nos é imposta por anos e anos inseridos em um sistema que tem controle sobre quem pensamos ser? Como superar todos os comportamentos e vícios mentais que nos mantém sob a ilusão coletiva? Como escapar dos mecanismos do mundo?

Ter uma Fortaleza de Ilusões é ser um super-herói perante o mundo, perante a si, perante aos que nos cercam, aos nossos filhos. Um super-herói é diferenciado em um mundo de pessoas comuns. Uma pessoa comum em um mundo de super-heróis é diferenciada. Não há diferença. Estar no mundo com critérios de ser igual ou diferente é estar na Fortaleza de Ilusões. É pertencer ao mundo. É ser mais um.





quinta-feira, 26 de junho de 2008

A negra experiência da transmutação

O seguinte texto não é meu. Foi escrito por aquele que hoje é com certeza o meu amigo mais próximo. Em um sentido de amizade que poucas vezes antes experimentei. Resolvi por postá-lo nesse blog por estar em uma estreita sintonia com aquilo que quis passar em outros textos, mas não conseguiria tocar de forma tão visceral.









"Everybody is a book of blood; wherever we're opened, we're red."


(Books of Blood, Clive Barker)


A negra experiência da transmutação.


O olhar que não se fixa e se perde na imensidão do vazio, um espírito que não descansa, a obra em sua plena negridão, o sussurro soturno, a decapitação, o seu leito de morte, um espelho que reflete sua putrefação.


O desespero está reprimido em cada gesto enganoso, está escondido além de cada face, o medo está encoberto por sorrisos falsos e angustias dissimuladas. Suas verdades não passam de falsificações, suas verdades são ilusórias, você é uma carcaça aparente, pérfida, hipócrita e frágil.


Como marionetes para um objetivo maior, criem para os seus próprios centros, construam, desconstruam, atuem, existam, sejam para o mundo, e sejam escravos de si mesmos, em seguida, eliminem-se.


Esse é o sentido de cada indivíduo?


Crie o herói, crie o seu mito, crie sua jornada, crie o seu vilão e exista dentro do seu escarnecido mundo imaginário, continue usando sua máscara da vontade para o rebanho, exista dentro do seu sonho lícito, ético e moral, ou dentro da sua falsa transgressão, misantropia e crueldade cinematográfica, continue, porém quando despertar, acredite humano, a realidade do abate será dolorosa.


Sua vida é uma perseguição perpetrada pela morte, sua existência é uma perseguição perpetrada pelo medo, esquartejado pela realidade,você se esconde, se esconde e se frustra indubitavelmente, teme o final da jornada, teme o sentido da conduta...

O final da jornada? O sentido da conduta?


É o abismo pasmado em que se cai, é o vórtice da agonia, é o cárcere onde carne é rompida, os músculos são dilacerados e a subversão é convertida em horror...


Seu cadáver será depositado em uma gaveta, seus atos serão autopsiados, definitivamente, esse é o seu valor, como na obra alquímica o metal impuro se transmutou ao ouro, sua falsa existência, se transmutará ao pó.


Escrito por Nigredo (Nehaher)

sábado, 21 de junho de 2008

É o Tempo quem constrói as ruinas


Dias e noites que não passam. Dias e noites que se vão com tanta velocidade. Momentos fugazes de felicidade. Horas torturantes intermináveis. Pois que do que nos é tão agradável, nos é tirado com tanta sofreguidão e aquilo que não desejamos, nos toma como que por séculos. A alegria e o que nos é agradável se esvaem. O que não suportamos parece não ter fim. O ritmo do relógio implacável consumindo e deixando-nos, os anos que se vão e não voltam. Quando começamos a perceber melhor os ritmos da vida, é quando parece que não teremos tanto ainda para desfrutar. A cada ano a velocidade é maior. A cada crise o termino parece não chegar nunca. E quando entendemos o que temos nada mais é como se foi. Foi-se, deixou-nos, não faz mais sentido. A descoberta de nossos sentidos parecem sempre vir quando não é mais necessário. E tudo que tivemos já se foi. Amanhã é outro dia, ontem já se foi. Tropeçamos nas horas, andamos sobre elas olhando o mundo por baixo. Nunca chegamos ao topo da montanha, que cada vez mais parece distante. Ali em cima, o cume que temos tão pouco Tempo para conquistar.

Esquecemos de nós mesmos enquanto somos consumidos pelo passar das horas. Não tentamos olhar para o que se movimenta diante de nossos olhos. Tudo mudando lentamente, como se não parasse nunca. O movimento de cada instante que se foi e o que virá sem razão de ser e de nos percebermos diante do cavalgar incessante. A água que passa nos rios, que não voltará ali jamais. Aquilo que perdemos e que não tem volta. Aquela necessidade de termos vivido melhor, de termos aproveitado ao máximo o que não teremos nunca mais novamente. O que houve no ano passado, que se torna ano retrasado, que se torna na década passada. Tudo se esvai cada vez mais rapidamente. O espelho que não nega que já não somos mais, que não seremos novamente, que mudamos nitidamente se nos observamos a cada nova ruga e a cada cabelo branco, eternamente nos poucos anos que temos para fazer tanto. O tanto que sempre quisemos ter e o pouco que nos foi permitido. O tanto que conquistamos e as vitórias maravilhosas que vieram e o até onde podemos chegar. Ainda conquistaremos? Estamos perdendo? Perderemos? Chegaremos ao ponto onde podemos? Teremos Tempo para tanto?

O que aprendemos a cada ano, que se renova nas esperanças do próximo período. O desejo da eternidade. O medo do futuro. A insegurança com o passar dos dias. Aquilo que irá vir, inadiável, que tanto tentamos evitar. A agressão das horas para o que é inevitável. A tentativa de parar mundo para que não aconteça o que está programado e é inevitável. A sensação de que o reinado que temos irá terminar. A Morte que cavalga nos mares dos ponteiros implacáveis, esperando nosso instante final chegar. A inevitabilidade, a vulnerabilidade, o incessante, o impossível de se deter. É a luta contra aquele que a tudo consome. Impossível de ser domado. Não há como parar, interferir. O que há de ser, virá. Nosso final está traçado ao golpe da foice implacável. Todo o resto é incerto, impossível de se prever, de sabermos se os oráculos estão corretos. Sofremos a cada noite mal dormida, orando por mais. Sofremos a cada instante, por seu final. Que cesse logo, que venha antes, que aconteça. Que alcancemos logo, nos entregando a ansiedade pelo que é nosso e bom e que acontecerá. Ficamos ansiosos pelo que não ocorre nunca. Pelo que está as nossas portas de ocorrer e não podemos evitar. Medo do que virá. Insegurança. O passar lento. A velocidade que nos devora. A lentidão que nos mastiga. A mente que dispara, o descontrole perante momentos infindos, fugazes, o que aconteceu e não há mais como mudar. O momento que marcou-nos para o sempre, pensado e remoído por dias e dias e dias. Os anos passam e aquele segundo crucial que está preso em nossos devaneios infindos. O Tempo e a Mente. O Tempo e a Loucura.

Apenas mais alguns minutos para podermos respirar. Rápidos e já se foram. Não foram o suficiente. A nossa velocidade que nos deixa com liberdade pelo resto de um período. Aproveitamos nossas horas. Economizamos para todas as atividades. Até planejamos o que fazer. Temos sempre de utilizar a inteligência para não deixar nada de lado. Para não perdermos o nosso Tempo. Sempre atentos a Ele. Ou Ele nos faz lembrar o que perdemos. O que ceifou e não teremos mais.

Ele que controla nossos ritos de passagem. Que nos torna adolescentes. Que nos torna adultos. Que nos torna maduros. Que nos trás a velhice. Que ajuda a criar nosso ego, no momento certo em que a idade nos joga rumo ao mundo. O tempo em que já somos grandinhos o suficiente. O momento em que aprendemos a dizer sim a todos. O instante precioso em que aprendemos a dizer não a todos que nos cercam. Aprendendo e sempre estando atento a Ele. O Tempo não para, não dá outra chance. Mesmo outra chance, é outro evento com todos os seus elementos próprios. O que se foi tornou-se memória e foi guardado em nosso corpo. Desapareceu em nós. É o Tempo quem trás de volta, dos submundos de nossas profundezas de nosso esquecimento. O Tempo consome, mas não esquece. O Tempo leva tudo embora e trás todo o esquecimento. Os anos que passam, o que se foi, nos deixou, desapareceu, não existe mais, nunca houve. No Tempo certo, tudo vem à tona novamente.

Aqueles que nos deixaram, faleceram, não estão aqui. Aqueles novos que aparecem. Nosso alvorecer, nosso entardecer. Tudo tem significado perante o quão curta é nossa existência. Que devemos olhar, perceber, economizar, cristalizar, amadurecer, abandonar, deixar pronto para renascer. Parir-se constantemente, a cada ciclo novo, em que nos unimos totalmente, em que tudo está circulando e pronto para os novos instantes a serem construídos, estruturados. E para novamente olhar, perceber, economizar, cristalizar, amadurecer, abandonar, deixar pronto para renascer. Os ciclos são eternos, nós somos a sua manifestação. Somos neles manifestados, somos os próprios ciclos incessantes. Somos quem somos nos ciclos.

A dualidade do Tempo. Um tic e um tac. De um dual ao outro. De uma ponta a outra. De cá, até lá. O Velho, o Jovem. O Jovem, o Velho. O Velho ensina o Jovem. O Jovem ensina o Velho. O Jovem se torna Velho.O Velho se torna Jovem. Ambos um só. Duas idades, duas faces do Tempo, uma olhando para cada lado. Nossas dualidades expostas com os anos. Os anos expostos em nós. Em nossos rostos, em tudo que somos, em tudo que fomos, em tudo que seremos. Em nossa memória, em nosso esquecimento. No misto do que sabemos de nós, misto do lembrar e do olvidar. O amalgama do controle e a da disciplina que as horas nos impõem, com o descontrole que nos perdemos sem nos percebermos no Tempo.

O que se passa nos faz lembrar o último ciclo, a ultima transformação, o último esquecimento. Ainda lembro quando era aquela criança que hoje vive em mim, mas não é o que sou. Fui muitas coisas durante muitos períodos. Deixei de ser tantas outras em tantos outros movimentos. A história da vida de cada um se traduz em diversas histórias de diversos seres que viveram em diversos tempos diferentes. Um dialoga com o outro por memórias, por sentimentos, por estar novamente lá ouvindo determinada música, sentindo determinado cheiro, passando em determinado local, vendo determinada fotografia, sentindo determinada sensação, vendo determinado rosto parecido, com determinado atavismo que trás tudo de volta. É estar lá novamente e ser novamente quem se era, mesmo que o corpo não seja mais o mesmo. É lembrar do que houve da forma como vemos hoje, diferente de como vimos ontem. Mudar o passado com as percepções de agora, ou de não aceitar mais como foi exatamente, ou simplesmente não lembrar corretamente.

Todas as histórias de minha vida se conectam em uma costura que cria uma teia, como um tecido enorme que se relaciona com o tudo que houve e que existe agora. Tudo culmina no presente que é fugaz e é uma história atual que será vivida e terá outros nuances num futuro incerto. Funciona de formas imperceptíveis quando não temos a percepção correta do Tempo, nem de quem somos. É um colorido novo a cada lembrança. Um mudança aqui, outra ali. Uma interpretação sendo criada e recriada quanto mais sabemos da vida, quanto mais temos maturidade, quanto mais sabemos quem somos realmente.

Nosso passado é aquilo que temos de valorizar. Mas muda constantemente. Pois a cada olhar ali, já mudou, se mesclou e foi devorado, digerido e regurgitado pelo Tempo sempre insaciável. Devora nossas crianças, devora a quem somos, nos vela, nos leva ao seu estômago, onde somos regerados, passamos por nova gestação e vivemos renascendo, mesmo sem perceber. Mesmo sendo um leve voltar, mas sempre a um novo ciclo. Somos e não somos. O que fomos não mais somos e viremos a ser outros em pouco tempo. Assim, sempre será. Sempre será. Sempre será.

No enorme mecanismo do mundo, o enorme relógio que é o mecanismo de todas as coisas. Esse que funciona nos levando entre as engrenagens, nos fazendo funcionar como máquinas que não se olham. Apenas nos encaixamos no movimento mecânico e implacável.

O ego que ganhamos é parte desse mecanismo. É intrínseco a ele. Na idade certa fomos entregues a enorme roda que dá o tic-tac a sociedade. No instante certo, o Self pode nos chamar. O momento exato, o Tempo Correto. Um dia, em nosso alvorecer, confiamos que deveríamos ter uma máscara ajustada na face, colocada com precisão automatizada. A máscara que se ajustou em todos os mecanismos de nossa composição, maravilhosamente desenhada e com moderníssima engenharia. Encaixados nos motores da família, onde produzimos o que podemos em nome do bom funcionamento da máquina mater da sociedade. A tradição familiar nos colocou perante a operante sociedade, sempre sendo ajustada por todos os lados, pois nunca é perfeita e sempre precisa de reparos. Mecânicos que criticam seus defeitos e lutam para ajustar seus mecanismos com o funcionamento total. Técnicos que mantém o enorme funcionamento sem paradas preventivas. A imperfeita sociedade que funciona corretamente, nos absorvendo em totalidade. Somos essenciais para seu funcionamento. Mas somos descartados com facilidade.

A célula mater da sociedade

Nossa máscara é o elemento conectivo com o sistema principal. Sem ela, não podemos colaborar com o seu crescimento e melhorias. A máscara que foi esculpida pelos ventos intempestivos do Tempo. Nossas melhorias só vêm com o desenvolvimento do elemento mantenedor da máscara: O ego. Sem ele, o mecanismo não faz sentido. Pára de funcionar facilmente. Pois é o ego que é ligado em nossas baterias, transmitindo nossa energia psíquica para o grande todo que funciona com inegável perfeição. Por mais imperfeita que pareça a sociedade, sua eficiência é implacável. Se assim não o fosse, as mascaras cairiam das faces sozinhas. E todos estariam desconectados do sistema que nos faz sermos apenas e tão somente, condutores de energia, gastando nossas baterias com o que não interessa. Devotados apenas ao enorme e devorador mecanismo.

Um dia, lá atrás, aqueles que nos nutrem quando frágeis, nos ensinaram que devemos nos conectar. Que a vida fora do enorme e imperfeito mundo é impossível. Que podemos melhorar o seu funcionamento, nos dedicando, sendo responsáveis, bons, educados e civilizados. A máscara é colocada no rosto, os cabos colocados nos conectores universais. O nome disso é domesticação. É um mal necessário, conforme dizem, pois não podemos viver por nós mesmos, nem pensar por nós mesmos. O nome daquilo que nos ajusta ao geral, nos colocando prontos para girar com os mecanismos, se chama educação. Depois procuramos nos adaptar e ter sucesso em ser um bom mecanismo. Somos falsos conosco e com tudo que nos cerca. Afinal, a máscara é só um elemento de condução de energia e de controle remoto de nossas engrenagens. Somos cada vez mais mecanizados, perdendo a noção da liberdade e nos inserindo numa teia de relações energéticas, de desejos, sentimentos e emoções que nos dominam e apagam qualquer forma de procura por sair desse movimento insano.

Mas o Tempo é implacável com a Máquina enorme do mundo. Vai desgastando as engrenagens. Mostrando que não somos eternos e que nosso funcionamento é sempre imperfeito. Aquele que nos deu um ego em formação, que vai gerar máscaras conectoras com a alienação, é quem a retira de nossa cara com violência no movimento implacável de sua Foice feita de seixo vindo do seio de Gaia. Ao pó retornaremos. A enorme máquina funciona muito bem sem nós. Tudo segue seu curso como se nunca houvéssemos existido. Não somos necessários a sociedade. Se fossemos, seriamos eternos. Se a sociedade nos fosse necessária, não nos obrigaria a deixar tudo o que temos em nome do coletivo.

Os anos passam e vemos o quanto fomos dilacerados com enorme violência. A cada década, algo nos é retirado. Parte de nossa vitalidade, de nossas crenças, de nossas dúvidas, do que sonhamos ser. Os sonhos nos devoram ao nos deixarem e irem para as cavernas dos pesadelos. As catarses começam. Nunca param. A angústia, seus ciclos que vem e vão. As respostas que não temos de nós. A dependência de crermos em algo. A imaginação do nosso contato com o divino.

Imaginamos o que cremos. Cremos em nossa imaginação. O Tic Tac nos deixa mais maduros e nos coloca na busca. Ou ofusca nossos olhos e devora nossas esperanças. O medo trás de volta a crença quando sentimos o fim. Quando estamos em crise. Nunca quando temos de procurar sempre e a cada momento. A pústula que cresce em nosso interior, corroendo-nos por trás da máscara é cada vez mais forte. Não há fim para sua insaciedade. Os anos passam e nada resolve. Os anos passam e as oportunidades se vão. Os anos passam e passamos com eles. Deixamos partes nossas no caminho. Nunca paramos para recuperar os cacos. Nunca, de forma alguma, paramos para pensar no caminho que se foi ou como esse foi. Não conhecemos a quem somos. Não fazemos sentido perante o que acontece e nunca pára. Não conseguimos nos centrar conectados em um mecanismo que nos devora. E lutamos para manter as máscaras no rosto, sem nunca transgredi-las. Sempre devotos de suas formas e seus enfeites. Mostramos aos outros o pouco que conseguimos. Choramos nossos mortos. Choramos a nossa morte a cada instante.

Esse é o passar dos dias. A luta para nos tornamos mais velhos. A luta para nos tornarmos mais novos. A luta contra a tenra idade. A luta contra a idade avançada. A luta para termos mais tempo. A luta para que o tempo passe mais rápido. A violência dos mecanismos do mundo. O relógio implacável, a sociedade mecanizada e dominadora, nossa sistematização e perda inconseqüente de consciência, percepção, visão, fenômeno de Si Mesmo. Não ouvimos nossas vozes reais. Apenas as pústulas das feridas imortais que criamos em nós e transmitimos a nossos filhos, educados para seguirem em nossa miséria geracional.

Um dia o Self é ouvido e se derrama pelo corpo. Preenche nossas lacunas, o vazio interior. O interior deixa de ser um local insondável, um portador de vozes dementes. Tudo se une, nasce outro ser, parido do fim do desespero sem sentido. Focado em outras formas, outras percepções, outras loucuras divinas, na embriagues sagrada. Olha a tudo e vê sentido em tudo. Na falácia do mundo, na sua podridão, na sua ilusão. Vencemos a própria ilusão, o castelo que criamos para nos alimentar quando olhamos a máquina dos desejos da sociedade. Não precisamos mais do ego para nos compensar perante o todo. Não precisamos mais de papéis, não temos mais auto-importância. Somos relativos a nós e nada mais. Nossas necessidades são apenas nossas, de ninguém mais. Não nos são mais impostas, podemos escolher o que queremos. Lembramos o que queremos realmente. Do que gostamos, do que admiramos, do que faz sentido para apenas nós e ninguém mais. Estar só basta. Estar por si basta. Ser basta.

E somos. E nos esbaldamos.

E então, olhamos para o futuro. E vemos que apenas começamos. Até iremos com o Tempo que nos resta?

O Tempo é implacável.

Porém, estamos agora unificados.

Um só passado. Uma só vida. Não antes e depois. Não diversos ciclos. Os sentidos se fazem, as percepções são plenas, pois estamos diante de quem somos. Entendemos a fina linha que vai de um ciclo a outro. De uma vida que tivemos a outra. De um momento com todos seus elementos, para o próximo. É o fim das ilusões. É o inicio. Apenas o início. Um nascimento, mas ligado a todos os outros. O recriar de si mesmo, através do Self.

O Tempo faz sentido.

E nos pergunta: Qual é o nosso objetivo?

Nunca antes tanta disciplina. Estamos agora centrados. No centro do caminho do eterno vir a Ser.



Quem foge da vida com medo da velhice, encontra invariavelmente a mesma foice.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Reflexos e anti(e)-imagens


Olhar espelhos e tentar ver-se a cada dia. Ver-se nos reflexos da vida. Imaginar-se como é visto. Visto de todos os ângulos que querem que nos vejamos.

Olhar no espelho e procurar o verdadeiro contorno. Sou o que vejo? É possível ver a quem sou no espelho alheio? Onde estou no meio do que penso que vejo? Enquanto não olhar a mim mesmo, nada mais do que um reflexo distorcido vivo, nada mais que esperando o Tempo voar-me.

A minha real beleza está além do que querem que Eu seja.

Além, só a transgressão.

No Tempo Certo




Sem palavras.

A comunicação com o Self é sem palavras. Self, Si Mesmo, Eu Superior, Eu Mesmo. Não se manifesta via pensamentos. Acessamo-nos, percebemos o seu fenômeno, sua ação criativa, sua orientação, a conexão com o divino por seu intermédio, sua coordenação, sua manifestação. O preenchimento, o encontro do centro, a reflexão na ação, o saber que fazer, a estrutura, a estabilidade.

É o Self quem coordena. É quem sabe a hora e o momento. É quem dá a mão, quem se posta à frente. É a semente da árvore que nos tornaremos. Quando em contato, todos os instantes eternos da sabedoria. Sem o Si Mesmo, seres sem rumo, sem sabermos o que somos, sem termos noção alguma.

É o Self quem dá a mão e nos diz o momento que devemos transcender o ego. É quem diz que o Eu Central irá ocupar o local do falso centro. É quem depõe tiranos e restaura a realeza. Que reforja a espada de nossos cacos quebrados. É quem guia e orienta.

Não é lendo um texto, ou estudando, ou procurando um guru que iremos transcender o ego e o mundo das cascas. É quando o Self aponta para tal. Basta sabermos ouvir seu chamado. Estarmos prontos para a sua vinda, termos conquistado os elementos necessários para ouvi-lo. É o Self quem sabe o instante. O momento correto. Aquele em que somos atraídos para a sua órbita e deixamos o mundo. Quando entramos no instante da solidão que sacia, aquela que tem todas as respostas e nenhuma das perguntas. Quando estar-se basta. Quando o apego se torna total desapego. Quando o ego enxerga o final de seu domínio e toda a sua incongruência, sua impossibilidade, seu término como rei tirano.

O Self comanda o inicio do isolamento. Pois o ego também tem seu lado positivo. Tenta levar os outros egos a superarem o próprio domínio. O ego é um componente coletivo, social, de relacionamento. Tem toda a sua mesquinhez, seus atropelos, sua incapacidade, sua impossibilidade de seguir adiante. E tem seu lado positivo, aquele em que se insere no meio e busca ajudar os outros egos. Quando começa a perder o seu domínio, compreende que deve ceder ao Eu Real. Que é apenas parte. Vai se apaziguando e abrindo caminho para aquilo que auxilia a própria pessoa. Percebe que não pode competir com o Eu Central, que não sabe o suficiente, que não é real, apenas parte. E enche-se de compaixão pelos outros egos, tentando auxiliá-los. O apego final do amor ao próximo, o apego pelas outras cascas. O ego tenta ajudar, o que é impossível. O ego não tem ferramentas para promover o despertar. Ele em si é nulo para tal.

Morrendo a compaixão, morre o domínio do ego.

O ego torna-se apenas parte, sob o controle do Rei que restaura o país do isolamento. É o final da busca por reconhecimento e aplausos. É o inicio da solidão. O começo do deixar-se, viver o próprio caminho além do coletivo, do reflexo irreal no espelho. A dissolução do ser anterior. O ocupar da mente pelo Eu Real, aquele que acessa o Self em qualquer momento, que tem comunicação com tudo o que se relaciona.

Assumir-se, desfazer os vícios mentais e de comportamento. Colocar a verdadeira personalidade a gerar as máscaras. Tornar-se quem se é efetivamente e estar pronto para o inicio da jornada que somente o Si Mesmo conhece o caminho.

Morrendo a compaixão, não existe mais como os outros nos afetarem. Somos impassíveis, não podemos mais ser atingidos pelo externo. Nasce o comportamento correto, nada infantil, nada influenciável, o “saber o que se fazer”.

Quanto mais se tende ao centro, mais domínio de tudo que está na órbita se tem.

Não procuramos mais ser o centro, mas sabemos estar no centro, no controle absoluto de quem somos. Jogamos a moral coletiva fora. Deixamos de lado o que nos impõem. Despertamos a verdadeira percepção de quem somos e principalmente, de quem os outros são. Pois sabemos que todos são controlados pelo mundo irreal de cascas. Já superamos todas as enganações religiosas que nos impuseram. Deixamos de lado as ilusões que criamos. Desde as ilusões de quem somos, do que podemos fazer, de onde podemos chegar. Até as ilusões das crenças que criamos para nós mesmos. Sabemos a relação correta que temos para o espiritual. Estamos prontos para deixar todo o conhecimento de anos cumulado pelas visões distorcidas do ego e do coletivo. Podemos reorganizar o que sabemos de forma comedida, inteligente, produtiva. Sabemos o que nos interessa de fato. Descartamos aquilo que sabemos para os outros, para que os outros nos valorizem, para que nos julguem inteligentes, informados, sábios, cultos, intelectuais, poderosos, diferenciados, influentes, curadores, interessados, abnegados. Nossos pensamentos são purificados daquilo que não nos interessa e não tem relação conosco. Aprendemos a ter foco e a seguir os nossos objetivos. Conquistamos nossos objetivos.

Sabemos o que queremos.

Tudo cai e nada mais é. Só os alicerces sobrevivem. É a recriação total. O repensar em toda a vida que temos, levamos e iremos seguir. Sem mais preocupações externas, de grupo, sociais e assim por diante.

A decadência do coletivo.

O coletivo que reage quando ainda tentamos levá-lo ao despertar, uma inutilidade total, visto que o coletivo foi criado para se manter no sonho. E o sonho reage contra tentativas de despertar.

Não há como curar pessoas. Elas mesmas se curam. Quem dá um passo para procurar a Si Mesmo, inicia uma jornada. Quem está atento para o Si Mesmo, quando esse chama, está próximo.

Por mais que deixemos a estrada mapeada, isso é inútil. A estrada só é reconhecida por cada um em seu caminho. Existem aqueles que deixam sinais pelo caminho, para quem estiver andando por lá. Cabe a aqueles que encontraram a percepção do próprio Self, saberem reconhecer.

A jornada é seguir o próprio caminho. Solitário, individual, onde os outros que não o iniciaram estão impossibilitados de seguir em frente.

A esses, a própria sorte.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Repetições


Viver para o coletivo é viver um padrão. Estar para um todo. Preocupar-se com esse todo. Permanecer ligado a todos os elementos coletivos da sociedade, dos grupos aos quais vivemos e a todas as regras possíveis impostas a nós. Ter de regrar-se a uma moral coletiva e colocá-la acima das próprias conclusões. Aceitar de pronto o que é dito como correto, belo, ideal, religioso e divino. Compactuar para a idéia de que o “bom” é o que rege o mundo, as pessoas e tudo que nos cerca. Crer que existe retorno ao que ofende nosso ego. Negar a própria natureza em nome desse padrão coletivo. Honrar a família e seus valores. Não ser capaz de enxergar o que nos cerca como algo além de relações de amor, de cumplicidade, de amizade. Não ser capaz de enxergar tudo como é.

Estar no coletivo é não ver as pessoas como elas são. É pensar em como ser notado e valorizado por elas. Dar atenção, dedicar-se, preocupar-se, com quem não tem valor algum, em nome de reconhecimento. Viver em busca de aplausos, de ser visto, promovido, de ter algo que os outros achem interessante. É promover-se incessantemente, tentar estar no foco, estar nos holofotes, sempre ter algo interessante a dizer. É ter a opinião que é mais correta aos olhos do coletivo, do correto para todos, do que é moderno, aceitável e que leve a sociedade para algo melhor. É procurar saber mais que todos, estudar e desenvolver-se apenas por uma posição melhor. Viver apenas competitivamente, moldado por aquilo que o mercado impõe como sendo de maior produtividade. É entregar-se a uma vida de construção material sem enxergar nada mais. É aceitar o que é imposto por aqueles de quem somos dependentes para sobreviver. Negar-se em nome de uma carreira, de um futuro, de uma aposentadoria tranqüila. Simplesmente achar-se superior pelo que tem, pelo que carrega na carteira, pelas grifes sofisticadas que engenhosamente dominam as mentes.

Não existe lucro em uma vida dessas. Apenas custos. É uma sangria desatada de si. Um entrega de algo que não tem preço. Viver o mundo sem pertencer a ele, essa é a grande questão. Como honrar a todos os contratos que assinamos em nome de estar no coletivo? Um coletivo que exige seus direitos, em nome de nossos deveres? Andar pelas ruas de manhã, correndo no transito, passar o dia todo em um trabalho nulificante, tentar voltar para casa, consumindo o que a televisão oferece ao coletivo. Uma noite de sono e a repetição interminável dessa rotina, onde os anos passam com velocidade. Onde existe a aplicação total para a conquista de coisas materiais que duram poucos anos e necessitam de serem trocadas constantemente. Eternamente enquanto durar nossas vidas. A busca de coisas que não tem necessidade alguma. O funcionamento do relógio mecanizando as vidas, enlouquecendo a cada pulso, a cada movimento de um ponteiro, interligado a um nervosismo em nome de captação monetária. O mecanismo enorme das cidades. O stress do sucesso. O enlouquecer em nome de migalhas. Viver em nome de cédulas. Viver em nome coisas que estão todas fora. Nada dentro, nada próximo de quem somos. E cada vez negando a si mesmo nesse movimento, onde o que importa é ter sucesso. Toda a moral da sociedade é voltada para tal.

Entretanto, o material é importante. Viver para ele é perder-se. Perder-se na repetição, nas cascas da sociedade, do mundo em geral, do entregar-se ao coletivo. Cada coisa tem seu valor devido. Nem mais, nem menos.

Não é possível encontrar ao Si Mesmo voltado para fora de si. O Self não está fora, mas reflete-se em tudo que somos. Estando perdidos, estando longe de quem somos realmente, estando em locais onde é impossível de nos vermos. Mesmo assim, o Self se manifesta. O ego é uma casca, mas uma casca baseada no nosso Eu central. Uma casca que não cola, que é irreal, uma falsificação mal feita de quem somos. Uma tentativa. Uma imagem daquilo que queremos ser, mas que não somos. Mesmo assim, uma imagem com vários elementos do ser central. Descartando o que não somos, encontramos o que somos. Focando naquilo que é nosso, encontramos o tesouro escondido e enterrado no fundo do pântano de nosso interior renegado.

Quando o Eu surge e controla o ego, consegue encarar o mundo com olhos reais e não com os óculos mais caros da moda. Daí vem a estabilidade e a estrutura para enxergar-se no meio de tudo. E a força para estar no mundo sem pertencer a ele. O que somos é a medida de todas as coisas da nossa vida. É estar além de procurar viver pelo pouco. De achar-se abençoado pelo pouco que se tem.


O começo do fim da loucura.

Nem tudo o que pensamos vem de nós. Vem do ego, de outros seres que nos habitam e de seres externos. Volta e meia, uma voz de sabedoria se levanta. Raramente se manifesta, dando a resposta nos momentos de crise. Como algo vindo dos céus, ou um anjo celestial enviado pelo Altíssimo, em sua Divina Providência. Nossas crenças nos iludem. Julgamo-nos sempre especiais para o Superior. Se soubermos de nossa solidão nesse mundo e tivermos a consciência de que tudo está em nossas mãos, vamos perceber que essa voz é o nosso Self que se levanta em momentos de crise. Que o Eu Central é capaz de conversar conosco quando o deixamos falar e ocupar a mente. Normalmente todos confundem essa voz com algo além. Esse é um momento de confiança, de plenitude. É quando estamos conosco e nos achamos.

O restante do tempo, as vozes que embalam a mente são uma confusão eterna na quase totalidade de nossas vidas. Uma tempestade interna que se mistura com a tempestade coletiva. Com as catástrofes mundiais, com o caos a nossa frente. Com a futilidade daqueles que nos cercam. Egos falando com egos. Cascas se relacionando. Cascas que crêem existir. Amizades de cascas, relacionamentos entre cascas. Nada real. Máscaras mais decoradas e sofisticadas loucas para demonstrar seu “valor” aos outros. Máscaras estúpidas, mesquinhas, grosseiras. Aquelas que repetem o que é mais moderno e enfeitado. Ou que pelo menos tem a certeza de não estarem entregando-se a suprema cafonice. O cafona olhando para outro cafona e jurando que o ridículo é o outro. O abnegado trabalhador maníaco por cumular bens, que julga estar construindo um futuro melhor. Aquele que não compreende como todos estão “melhores” do que ele e culpa a inveja alheia pela falta de sucesso. Os que tem certeza de que estão sendo perseguidos por todos que tem menos capacidade. Os que vão a um nível impossível de degradação em nome de um mero cargo. Insatisfações, frustrações. Nunca nada é suficiente. Sempre querendo mais e mais. E perdendo-se na loucura. Esquecendo de olhar para dentro. Lá dentro, onde tudo faz sentido.

Movimentos de encontro consigo mesmo nunca vem de fora. As crises nos colocam em um estado que refletimos, pensamos desesperados em uma solução. E esse desespero pode, em determinadas ocasiões, dar o acesso ao Eu Central. Como se diz, o Ego é um falso centro. Porém, vencer o ego não é extingui-lo. O ego é parte de nós como se diz, por exemplo, no Sufismo. Não deixa de existir. Não podemos cortar um braço com problemas para sermos melhores atletas.

Quando o ego perde seu controle e o centro verdadeiro assume o controle, aparecem as vozes. Partes de nós construídas pelo controle despreparado do ego, assim como diversas outras marcas. Não só verdadeiro centro, ou Eu Real, ou Eu Central, utiliza a mente. Percebemos os elementos internos sabotadores. O coletivo nos leva a doença, a procuramos o sofrimento, a não termos maturidade, a nos perdermos no caminho. O coletivo não guia a ninguém. Apenas consome. Ensina padrões repetitivos de controle. Estamos submetidos a vícios de comportamento no nosso dia a dia que colaboram para o controle do ego. Temos de colocar o Eu Verdadeiro para fora e começar a confrontar a isso. Ter inteligência para superar as sutilezas do mundo que nos cerca. O mundo que não quer de forma alguma que superemos ao seu controle.

Quando as vozes começam a se calar, as feridas começam a serem curadas. Aí vem a percepção do que nos cerca. Olhas as pessoas empunhando suas máscaras. A forma humilhante que dependem do mundo. A inconsciência geral. A impossibilidade que temos de ajudar aos que nos cercam. Poucos são capazes de utilizar a própria inteligência para se perceberem. Poucos são os que se dedicam a ter uma vida além daqueles que apenas seguem o fluxo. Como um rebanho para o abate, apenas esperando o instante final.

E assim todos repetem e repetem os padrões mentais. Os pensamentos eternos em uma só coisa. A única preocupação. A sede eterna pelo que não sacia. Os desejos desenfreados por tudo que está fora. A mesquinhez. A necessidade de atenção que tira qualquer um do centro. Não é possível a alguém se centrar, se aquele que está do lado pede incessantemente atenção. Todos querem ser vistos. Todos querem mostrar suas novidades, o quanto evoluíram, o quão são especiais, o tanto que conseguiram na vida. Porém, isso tudo é conquistado apenas para o outros.

As crises vêm e vão. Doenças, problemas financeiros, amorosos, no trabalho, com a família, brigas com amigos e desconhecidos. Alguns momentos de reflexão, quem sabe com contato consigo mesmo. E então a repetição dos padrões.

Repetições de padrões mentais. Repetições de pensamentos. De comportamentos. Repetições de gestos. Repetindo o que todos repetem. Fixar-se em apenas um pensamento. Fixar-se em pensar eternamente. Nunca despertar no pensar. Parar a mente. Extinguir o dialogo interno. Entregar-se e deixar-se perdido em tantos pensamentos que não conseguimos olhar dentro. Fora o coletivo. Dentro a tempestade.

Os anos passam. Cronos consome a tudo e a todos. A impermanência, a proximidade da Morte. O medo.

Existe o real medo. Assim como existe o medo do ego. O medo de perder uma pessoa, da pobreza, de não conseguir fechar um contrato, de perder o emprego, de ser assaltado, de que descubram a verdade sobre quem somos. Mas que no fundo não somos, pois não estamos em contato conosco. Medo fútil.

E assim segue a vida. Todos procurando viver bem, procurando a felicidade. Afinal, todos têm o direito a ela, não é?

Um dia a felicidade nos é tirada junto com a vida. O desespero se inicia. Colocados em um caixão, prontos para sermos esquecidos com a eternidade.

Putrefação.

E qual a diferença? Estávamos mortos em vida.

Os funerais repetem-se: Seu Tempo é curto.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Sufismo, Zen e o Ego

Dervixe girante

Costumo dizer que encontrei o Sufismo muito cedo. Após a minha conversão ao Islã para continuar em um trabalho ligado ao gnosticismo. E fui à busca do lado místico da religião. E no caso encontrei essa veia, o que me reservou algumas surpresas.

O Sufismo é realmente um repositório de iniciação. Caso a pessoa tenha similaridade, maturidade e dedicação para esse caminho. É uma tradição milenar, fundamentada e com muito a oferecer.

Hoje, devido a uma série de coisas do meu caminho, andei repensando a minha passagem pelo Islã como um todo. Conheci ali muitas coisas novas, tive resultados reais, os quais até hoje venho analisando. Tive a certeza por muito tempo de que não havia compreendido a profundidade ali exposta. Mas, minha via é outra. Meus objetivos, outros. Assim como minha estrutura. E claro, minhas regências. E ali não é o meu caminho. Embora seja válido para tantos outros.

O que aprendi sobre o ego com o Sufismo é algo válido, aplicável, perceptível, tangível e real. Ali as coisas estão bem ditas e de uma forma prática, como tudo nessa corrente. O esquema de explicar as coisas com histórias é algo fundamental. Passo aqui o link de dois textos fundamentais para a compreensão daquilo que venho escrevendo nesse blog. Servem como um manual de referencia, para aqueles que estiverem interessados em um trabalho de encontrar o Eu Verdadeiro. Como muito bem está exposto na fala do Profeta Mohamed (SAAW): "Quem conhece a si, conhece o seu Deus".

É claro que encontramos coisa semelhante em Santo Agostinho. E claro que podemos encontrar coisas semelhantes em diversas outras correntes, até mesmo naquelas que não são monoteístas. Mas a ênfase é o que devemos observar. Como está bem expresso no seguinte texto:

http://www.mesquitadobras.org.br/not_vis.php?op=110&cod=115&pagina=0

O texto adiante fala sobre os Nafs, que não tem uma explicação pormenorizada como no seguinte texto:

http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/08/7_niveis_consciencia.html

Conheci o sheik Ragip há uns dez anos. E tive o privilegio de acompanhar seu trabalho de perto.

O Sufismo tem similaridades com o Zen. A forma de transmitir ensinamentos via histórias, algumas vezes de forma desconcertante.

Alguns exemplos estão nos seguintes textos:

http://contos-zen.blogspot.com/

Assim como a explicação direta sobre o ego:

http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=937

http://www.nossacasa.net/SHUNYA/default.asp?menu=466

Comparem o conto sufi que diz:

Um homem desejava conhecer o sufismo e viu um rapaz vestido como um adepto, mas trazendo um tinteiro consigo. Ele achou aquilo estranho, porque os sufis não são escribas. Aproximou-se daquele rapaz, certo de que se tratava de um impostor e perguntou-lhe o que era sufismo. O jovem respondeu: Sufismo, é não pensar que um homem , por trazer um tinteiro consigo, não é um sufi.


A grande vaga ao largo de Kanawaga, estampa de Hokusai, Metropolitan Museum of Art, Nova York

E o conto Zen:

Bashô passeava com seu discípulo ao longo de um rio. Os dois avistam um pato a procura de comida. Perturbado, o pato alça vôo e mestre e discípulo acompanham com os olhos.
Bashô e o discípulo entreolharam-se em silêncio e, de súbito, bruscamente, o mestre beliscou o nariz do discípulo, que urrou de dor.
Disse Basho então:
- Oh! aqui está um pato que canta!
O discípulo tinha os olhos postos no pato, que voava.
Deves olhar para ti mesmo, queria dizer-lhe o mestre.

Diferenças


Entretanto, tenham em mente que os textos ligados ao Zen e ao Sufismo não expressam totalmente o que tenho dito e ainda irei falar nesse blog. Cada um segue uma via. E a minha é outra. É baseada em outros termos, em outras percepções, no que fui exatamente feito para ser e fazer. Esses links que enumerei são uma forma de se entender o processo, que é absolutamente pessoal. Não existe forma coletiva, ou fórmula para alcançar o objetivo. Se é que podemos dizer que exista um objetivo.

Não estou aqui para ser o guru de ninguém. O que lerem de meus escritos, filtrem, pensem e, caso sintam similaridade, adaptem, apliquem de forma ao que pertence a vocês.

Assim tem de ser com cada um.

Assim como a temática do Ego é essencial.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Deixar-se

Cena de "Naqoyqatsi"


Usar a máscara é também preencher o dialogo interno com condicionamentos. Todos os condicionamentos do mundo. Do mundo que achamos ser o mundo total. Aquele que nos condicionou a crer que é total. Fé é pouco. É ter certeza sem comprovar. Criar mais cascas no nosso universo de imaginação. Mais um naipe em nosso castelo de cartas. Mas um pedaço em lugar nenhum.

Bastar-se é deixar-se. Deixar-se de lado. O eu predominante, que nos domina e gera máscaras. Esse cria mundos inteiros. Fantasias, mitos, peças, roteiros. Força-nos a sermos atores de suas composições. A composição que aprendeu com tudo que nos cerca.

Deixamos tudo de lado. Todas nossas certezas. Entregamos o que achamos que somos. O que gostaríamos de ser baseados no que achamos. O que dizem que somos baseados no que acham serem. O que disseram a todos que são. Regras que todos absorveram para acharem serem reais. Ser real baseado no que se diz pelo mundo. Ser real sem se recriar.

Abandonemos isso tudo. Tudo que achamos conhecer. Vícios mentais recebidos por gerações. Vícios mentais que criamos para manter nosso castelo de cartas. As construções mentais baseadas na lógica e no aparente. O aparente é enganoso, não resiste à percepção. O aparente segue a lógica. Segue ao que conhecemos, criado a partir dos castelos de cartas que montamos.

Vícios mentais do diálogo interior. Pensamentos eternos que nunca param. Pensamentos que geram pensamentos que se repetem e continuam e não cedem e assim vão incessantemente consumindo cada parte nossa. Quando focamos em nós, eles se focam neles e se esquecem por si, indo a locais e movimentos e tempestades. Dominados por sentimentos, locais internos, recônditos, partes, todos, cidades hieroglíficas.

A mente não para, enquanto o ego não para. Tudo quer que gire a seu redor. O ego e as vozes, reflexos de partes interiores que não são o centro. Como sobreviver às tormentas?

Deixe de lado o conhecimento que julga ter. Veio daquilo que foi construído anos e anos por conclusões lógicas e pensamentos montados em cascas. Em reflexões atormentadas pelas vozes. Sendo escravo de seus sentimentos. Gastando toda energia mental que tem mantendo um mundo de fantasias e imaginação. A persona que criou e foi criada. Algo que impediu o desenvolvimento e expressão do Eu Real, o verdadeiro centro de quem é.

Seu conhecimento se mescla com quem acha que é. Mantém a máscara colada no que não é. Justifica o seu caminho, que o manteve longe de si.

Deixe de lado o que não é. Olhe-se e pergunte quem responde. O que responde. Lembre-se de instantes eternos, onde sentiu ser plenamente. Quando ainda era livre para ser. Quando contrariou e teve de ser educado. Quando a domesticação o engoliu. Antes disso. O momento em que se esforçou para fazer algo que não é. Aquele momento em que manipulou a si. Aquele momento em que gostou do agrado por mentir para si mesmo.

Não conhece a si, não conhece a nada. O que pensa conhecer de si não o deixa conhecer quem é. O que conhece da imagem refletida no espelho, é apenas cosmética. Apenas tentativa de se manter organizado. Uma figura para mostrar aos outros. Como gostaria de ser?

O que almeja para si? O que quer de si?

Deixe o apego de lado. O apego daquilo que pensa ser. A dor toda que teve para criar o que chama de maturidade.

Deixe-se de lado. Coloque o que está de lado no centro.

A partir daí que nasce a compreensão. A organização do conhecimento da totalidade. O estado meditativo além de si. Além dos próprios problemas. Além dos problemas que o cercam. Além de dar poder ao outro para machucá-lo. Além de dar poder ao outro para tirar o centro. Além do esforço incalculável para manter o jogo de cena. Além do preço para entrar no baile de máscaras. Esquecer a necessidade de ter. De ter um pouco mais. De ter e ter mais. De ter mais que o outro. Para que o outro o inveje. Para ter mais inveja que o outro tem. Para invejar ou ser invejado. Para não ter a necessidade de contar vantagens. Para poder ouvir o outro falar de si, sem a necessidade de falar sobre si mesmo em seguida. Para não precisar contar uma história melhor do o outro está falando. Para não precisar mostrar-se mais inteligente. Para não precisar dizer que também conhece o assunto. Não precisar dizer que sabe mais que o outro. Ou que tem um leque de conhecimentos tão grande e subestimado.

Para não se importar se é subestimado ou valorizado. Para não precisar falar a melhor piada. Para não precisar ser o mais competente. Nem tão pouco o centro das atenções. Para não se incomodar em nunca ser enganado. Para não querer ser o mais popular. Ou aquele que tem mais sucesso amoroso.

Para não precisar provar nada a ninguém.

Pois o que os outros acham não me importa mais. Em si, basto-me e nada além.

Daí o desapego. Não apenas e tão somente um mero voto de pobreza. Ou praticar uma hipócrita caridade. Ou ter dó. Ou humilhar-se em nome do desprendimento. O desapego de si. Das cascas que não são quem sou. Tudo repasso com compaixão. É minha dádiva para com o mundo dos que dizem serem caridosos. Sentir-se bem por ajudar a todos a se integrarem ao baile de máscaras?

Existir muito pouco para essa doença coletiva.

Partir disso para outro nível de aprendizado. Aquele em que se aprende a aprender. Uma real folha em branco. Que vai compreender novamente a cada palavra que foi anteriormente lida. Dar atenção a tudo que soube, mas não se sabia. Reunificar todo conhecimento sob outro parâmetro, sobre um Eu que domou e tem seu lugar no centro da nova consciência unificada.

Refazer-se enquanto refaz o que acha do outro. O que percebe no outro. O que percebe em si. O que percebe no divino. Não mais achar que viu algo, ter certeza de que não viu nada. De que todas as experiências eram falhas, pois estava tudo preso ao que todos têm acesso. A todos os paradigmas. Os paradigmas dos paradigmas.

Não existe paradigma algum. Eis o paradigma supremo.

O divino despreza o humano na medida em que o humano despreza ao seu Eu Real. Cascas não acessam à divina providencia. Pois cascas não acessam ao Si Mesmo. E só o Si Mesmo vê além. Só o Si Mesmo pode nos levar além. A miséria dos desejos do ego são infantis. Magia alguma pode satisfazê-los. Pois sempre que algo se conquista, gera mais desejos. E os desejos geram desejos sem fim.

Só os desejos do Eu Central, além das cascas e das máscaras, são alcançáveis e trazem saciabilidade. Mesmo os mais pútridos perante a moral. Mesmo os mais incompreensíveis e terrificantes. Pois a divindade não é apenas pacifica. Está além da compreensão comum do mundo das cascas que apenas desejam, sem nada dar em troca.

Cascas não pagam o preço. Não tentam ir além delas mesmas. Não almejam nada além de sua manutenção. Cascas não enfrentam o próprio ego, em nome de algo maior, de alcançar, de perceber, de expandir-se totalmente. Apenas lamentam, pedem, exigem misericórdia, se arrependem e fazem caridade. Assim se sentem úteis, superiores aos que necessitam deles. Assim, sempre existem necessitados.

Quem sou eu para ser dependente de seus sentimentos? Quem sou eu para exigir seu amor? Quem sou eu para deixar-me de lado perdido no que pode sentir por mim? Seus afetos me deixam perdido? Perdi-me no desejo de tê-la. Sou apenas uma casca para os seus caprichos. Não tive maturidade para manter-me e vai me exigir cada pedaço para a maldição de seus afagos. Seduzi a mim mesmo, quando ousava querer seu amor. Não é a selvageria da paixão que me consome, mas o apego por tê-la. Não a amo, mas amo a minha doença.

Essa doença que vomitarei ao cuspir na máscara que me domina.

Quando conhecer-me, a conhecerei. E não será mais do que é. Se isso é a dor que sentirá, isso é o motivo para meu desprezo. Não posso mais me frustrar usando-a. Não é justo para conosco. Apenas para quem julgo ser. E para quem a fiz acreditar que é. Projeção não é ligação. É apenas uma cerca farpada que nos separa. Um dia o desejo por outra aparece e nada do que senti é mais verdadeiro. Nunca o foi, na verdade. Pois não a vi, apenas ao que quero ter de mim. Pois se fosse meu realmente, não gostaria de conquistar.

O amor não é a panacéia universal.

Deixe a tudo e nada mais.

Deixe de lado tudo que o incomoda, mas não é seu. Deixe de lado o que não é seu, mas acreditou ser. Deixe de lado os instantes de frustração por algo que não pertence ao que sente de si. Que não sobre nada.

Queime sua biblioteca interior. Esqueça o que pensou saber. Esqueça o que acreditou sentir. Lembre de cada momento exato, perfeito, em contato. Onde acessou, presenciou, viveu, tocou.

Coloque a Si Mesmo no centro de sua vida. Nada mais importa, o resto é fardo, carga, segurar o mundo nas costas. Viver é a leveza de não carregar o que não interessa. O que não pertence. O que faz olhar para o lado. O que tira o norte.

Qual é o seu objetivo?

O seu objetivo?

O seu e de nenhum outro?

Aquele que sempre sonhou, mas nunca conseguiu ter? Aquele que as pessoas não dão valor? Aquele que vai além de riquezas e sucesso? Aquele que desconstroi as pessoas? Aquele que causa náuseas no sociedade? Aquele que causa horror na moral? Aquele que faz que transgrida? Aquele que a religião não é capaz de alcançar? Aquele que não é politicamente coreto?

Ali no fundo existe um desejo. Um desejo que não é vendido por aí. Um que não está em loja alguma. Aquele que o revolta com as pessoas por não ter realizado totalmente. Aquela sensação de ter sido castrado. De que a criatividade própria foi deixada de lado, pois a vida é dura e não podemos viver de ilusões.

Meu silencio leva além do que me fizeram desejar. O que me fizeram crer. Do que disseram ser certo. Da vergonha que sentia das pessoas. De medir meu sarcasmo. De ser agressivo quando quisesse. De esbofetear o idiota. De me irritar com a burrice. Se não precisasse do outro, teria sido Eu mesmo.

Depois acreditei ser um monstro, pois isso assusta. Monstros irreais tem medo da própria sombra.

E na Sombra vive o monstro real, que assusta o irreal.

Abandone as cascas. Respire os próprios momentos eternos do contato total com o que sempre quis ser. Mas nunca teve coragem. Esse contato real desmonta o monstro que criamos para manter o que exigem de nós. Todos os deveres e contratos. Todas as promessas que fizemos. Toda a teia que nos enfiamos para manter a ilusão pútrida de um mundo moderno.

Não tenha medo. Pode ter medo de Si Mesmo. Mas é um medo real. Um medo além das cascas. Vencer os próprios medos e não os coletivos.

Abra os olhos apenas o suficiente para não ficar zonzo. É na medida certa que o confronto é superado.

É no silêncio. Ali no fundo.

Ali vemos as nossas relações.

Deixar-se é entrar na viagem. É só o começo.

Nada mais, nada menos.

terça-feira, 10 de junho de 2008

Estar-se basta




É no silencio de Si Mesmo que escutamos o universo. Observando o centro, entre os ventos que por ventura aparecem dentro da torre que habitamos. O local de observação, o ponto de todos os instantes, tanto presentes, quanto ausentes. Lá onde as ausências não nos importam mais. Onde não há mais a necessidade do outro, de falar com alguém, de estar com qualquer pessoa. Estar-se basta. O silencio que reverbera em todas as paredes, nos cantos dentro de nós. Ouvir a batida. Ouvir-se como nunca antes foi possível.

Dar-se valor. O real valor. Conquistar a percepção do valor de tudo que temos. Saber o que é nosso, o custo e o sacrifício de cada coisa.

Reforjar a espada quebrada com os nossos pedaços perdidos no caminho. A cegueira do coletivo não nos deixou enxergar. Nos privou, nos atormentou, bloqueou o caminho. Fechou as portas de nossa circulação interna pelo mundo. Respiramos por aparelhos, nunca o ar puro e límpido da atmosfera da mente tranqüila. Não vimos o mar tranqüilo, com todos os seus segredos. Com a imensidão que ali existe. O silêncio das ondas, a brisa que nos acalma.

O mar interior, a enormidade da compreensão. O mar que aquieta. O desaparecer nas ondas harmônicas. O silêncio exterior parido dos mundos próprios. Ser o silêncio, navegar por tudo, compreender o vazio que vive em nós todos. Escutar o vazio. Cada instante em harmonia, o eterno momento. A impermanência.

Estar-se basta.

O centro, aquele que emana. Que emana cada filamento multicolorido da própria existência. Conecta-se a cada memória do que vivi. Do que lembro e da infinidade que desapareceu do sono eterno que existi. Não existo mais, apenas existo de uma forma que não achei ser capaz existir. E em cada lapso, esqueço e lembro de outra forma como nunca soube.

Deixei casca a casca no caminho. Primeiro negaram, então entendi que não sabia. Depois deixei de lado o que julgava saber. Se algo soubesse, alguma noção teria do centro. Nada fora me pertence. Apenas expressa.

Antes tudo simbolizava, tinha sentido, passava alguma mensagem. Colava-se na fortaleza da solidão. No grande Asilo Arkham da loucura do ego e do coletivo. Agora palavras são apenas palavras. E não são minhas.

Cada passo é um passo. Nem sempre é movimento. Até o momento em que tudo para. Mas, algo já se moveu? Era apenas a ilusão de querer estar no caminho.

Aqui não estava. Sempre ausente. Sempre tentando atuar, mas nunca estando aqui. Agora, somente o silêncio dos sussurros. Sou Eu quem olha no espelho, não um fantasma, não uma montagem, ou puzzle, uma parte, uma projeção, um erro, um traumatizado. Nem aquele que tem todas as desculpas, ou todas as justificativas. Nada disso. Nem mais, não tão pouco menos.

Apenas. Nada mais.


sábado, 7 de junho de 2008

Na Medida Exata





Quanto mais tende ao centro, mais se deixa de estar no centro.

Estar ao centro é ter a medida correta de si mesmo. Percepção de quem se é de forma correta. É deixar de lado aquilo que nos rouba de nós, que suga partes nossas, que necessita nos tirar próprio centro, para sobreviver dentro de nós.

Alcançar o centro é ir de encontro com nossa história pessoal. Perceber todos os momentos que vivemos, sem apego ao passado. Sem viver no que se foi e estar preso a momentos que não existem mais. É viver cada instante, como sendo eterno, como sendo parte, como sendo um real e não personagem. Saber que temos pouco tempo e que cada instante é eterno. Apreciar cada coisa que vivemos, como cada pedaço nosso que somos, cada relação nossa com tudo que nos cerca, sem sermos influenciados pelo que não é nosso. Pelo que não é nosso e achamos que somos. Sabermos quem somos exatamente, quebrando as esferas de ilusão que existem em torno de nossas vidas. Termos contato com o que nos faz reais. A criação de nós mesmos. O criativo plasmando elementos totalmente pessoais ao nosso movimento de nos fazermos reais. O potencial de fazer-se tornando ato.

Quando mais ao centro, mas reais. Percebendo-se em novos estados. Tornar-se cada vez mais, criando novos estados perceptivos. Renascendo, tornando-se cinzas. No fogo interno da criação. A chama interior, que ilumina todas nossas estruturas. Aquelas que existem e as que virão a ser.

Encontrar-se é ir além do devir. O devir do devir. O fim do movimento da periferia. Colocar-se ao centro e ver tudo girando ao redor. Olhar para o centro e saber que tudo parou. Não há mais fuga. Não existem mais certezas, nem castelos que criamos para tê-las. Não somos mais nada. Somos tudo ao mesmo tempo. Do inexistir ao existir totalmente.

Cascas que deixamos de lado. Imprecisões, medos, perdas de rumo. Estamos além do rumo. Olhando para o caminho infinito. Movendo-nos no centro, sem movimento algum. Observando sem nos observar. Conhecendo-nos, indo além da busca de resposta sobre nós mesmos.

Tudo se silencia. Não existe som algum. Apenas a batida. Aquela que está dentro de nós. A batida que nos conecta com a grande batida. Além do mecanismo barulhento do mundo. Do ensurdecer das engrenagens.

A estabilidade. A tranqüilidade. Cada instante é eterno. Nada dura para sempre.

Saber reconhecer esse instante e estar nele. Não estar no antes, mas saber o que foi o antes. Não estar no depois, mas estar pronto para tal. Passo a passo, sem atropelos, sem se apressar, sem ansiedade alguma.

Poder estar no centro é poder colocar para fora. Dentro de nós reside o que somos. As cascas e o mundo ilusório nos roubaram o poder de nos tornarmos portais. Estar no centro é ser o portal para o que fomos feitos. Ali nascemos. Ali renascemos. Ali recriamos. Ali somos cinza. Ali voltamos à vida. A vida que nunca tivemos. A vida que nos foi negada. Aquela que dói saber que deixamos de lado. Vivendo em eterna catarse, vomitando sempre, nunca conseguindo nos purificar, carregando o peso eterno que jogaram em nossas costas e que nos impediu sempre. Daí para as catábases eternas. Entrando e saindo dos submundos que geramos, ou dos que nos impuseram.

Viver de análise eterna. Precisando sempre e sempre e sempre de ajuda. Sempre procurando ouvir sobre nós. Que nos diagnostiquem, que nos curem, que nos digam que devamos ser. Que tenham uma fórmula mágica, que tirem essa responsabilidade de nós.

Isso é o que nos fizeram acreditar. Que alguém sempre sabe mais de nós. Que não somos capazes de descobrir. Que o outro, algum ser milagroso, resolva nossos problemas. E nossa busca se torna eterna, dependente, imprudente, enganosa, complicada e incapaz. É no externo que procuraremos a resposta? É na linha? E onde está o ponto central?



Quanto mais ao centro, mais a circunferência torna-se irreal. As formas geométricas se tornam fractais e tendem ao infinito. Formas infinitas de infinitas formas. Estar ao centro é saber que se está na periferia e que a jornada ao ponto do meio da profundeza apenas começou. Tudo é eterno e o sono também pode ser. Até o momento supremo da passagem. Ali o desconhecido.

Reflita e não seja um reflexo. Pense e repense quem é. Refaça a tudo, redefina a tudo.

Esteja além de qualquer coisa que o possa agredir. Retirar a importância sobre o que não nos dá importância, sobre o que não tem importância. Aquilo que enxerga é do tamanho de sua visão. Vá além do que pode ver. Veja o que nunca quis perceber. Perceba cada parte do todo. Perceba que o todo é apenas parte.

Encarar o desconhecido sendo desconhecidos. É essa a maldição de quem não encontra o centro.

Tome seu lugar no Mundo.

Esteja além do mundo, fora de seu alcance. Viva no mundo sem pertencer a ele. Acesse seu próprio mundo. Transgredir a tudo que o cerca, ser totalmente o que nunca se ousou.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Mecanismos

Angústia


O movimento em que a Alma se sobrepõe ao elemento visível de todos nós, onde a máscara se quebrou, o ego se tornou parte e não é mais aquele tentando controlar. As vozes dos seres que existem em nós (mas não fazem parte) que ecoam na mente estão próximas de desaparecer, o aparecimento do Eu real, o Puer, em um renascimento pessoal total. Ressurgência, atavismo, percepção de novos níveis de consciência. Recriação de tudo que se conhece. Reconstrução pessoal após a desconstrução e reorganização dos estados internos. A dinâmica interna reestruturada, a circulação do Si Mesmo pelos canais internos de energia.

O encontro e desencontro. A inexistência da necessidade obsessiva pelo outro, o encontro daquilo que é nosso e apenas a nós pertence. O rompimento com os compromissos familiares, da sociedade, do meio, das amizades, da vizinhança. A superação de todas as mágoas, enxugando-se todas as lágrimas. O ressequir das travas e impedimentos. A decomposição dos valores, a negação da moral, o reescrever de todos os mitos pessoais, indo além de qualquer mitologia. Negando a qualquer mito pessoal.

O reencontro com o passado e a sua transcendência. Ir além de qualquer local interno, além de qualquer paisagem interior. A repintura da própria arte, a recomposição da própria música, o encontro com a própria beleza. Rever a si mesmo, encontrar a aquele que se perdeu. A revolta por ter se esquecido. O resgate de toda a memória interna e externa. O esquecer do supérfluo. O descartar das luvas que não nos deixam ter tato. O encontro com a própria sensibilidade. O perceber tudo em volta. A concentração real. A libertação da mente daquilo que não faz parte de nós. A percepção total. O aceno a aquilo que nos olha como somos e não como queremos que nos olhem.

Sangrar o sangue que não é nosso. Vomitar a podridão alheia. Retirar o pus do coletivo. Apodrecer em si o que tira a concentração de si. Entrar em si. Ser egoísta. Entrar no centro, entrando numa eterna espiral. Derreter as barreiras internas. Destruir os portais entre partes nossas. Refazer todas as ligações. Perceber os sentidos do que somos. Entender como nos manifestamos. Compreender cada nuance. Ser quem se é. Deixar de lado tudo que não é. Vencer o apego. Saber retirar de si a podridão sem o menor apego. Rever tudo a que damos valor. Superar as imposições externas. Saber o qual é nosso destino e o que esperam de nós. Saber que aquilo esperado não é nosso. Encarar a todos e a tudo. Deixá-los de lado. Devolver o que absorvemos. Desligar as conexões com a teia humana. Desfazer elos, compromissos, erros, exigências. Superar a imaturidade de estar preso a tudo isso.

Deixar de lado toda a mesquinhez e arrogância. As ambições que não são nossas. Os padrões de sucesso. As necessidades infundadas. As imposições de consumo. As relações pessoais ligadas a tudo que a sociedade necessita para continuar funcionando. Desligar-se do sistema. Poder olhar para si sem olhar para o outro. Sem olhar para o mundo. Sem ligar para o que dirão de nós. Não necessitar de criticar por ver o outro além. Superar os elementos invejosos que nos impulsionam. Sermos capazes de sermos quem somos além de qualquer outro. Saber ver a todos sem nos misturarmos a eles. Saber superar a repulsa em ver aqueles que são certamente iguais a nós.

Perceber que não sofremos trauma algum. Que não temos desculpas cientificas pelo que somos. Não temos nada para jogar a culpa. Que somos responsáveis pelos nossos erros. Que sempre tivemos controle. Tudo sempre esteve em nossas mãos. Sempre criamos desculpas. Sempre deixamos de lado. Negamos que somos. Esquecemos. Fomos violentos para conosco. Tudo em nome do coletivo. Da sociedade. Das expectativas. Dos desejos familiares. Em nome do sucesso. Em nome de termos que nos adaptar. Nem sempre com sucesso. Nunca com sucesso. Nunca teremos todo o sucesso que queremos. Isso não é possível. Não é possível atender a tudo que esperam de nós. E se conseguimos pelo menos um pouco, somos o foco da inveja, somos mal tratados, somos indesejáveis. Ganhamos uma multidão de invejosos que elogiam. Somos o foco da falsidade. Quando não somos os falsos desejosos do que é alheio. Quando somos os invejosos. Quando sugamos o outro. Quando nos tornamos dependentes, para termos facilidades, para ganhar uma migalha em troca. Quando somos os mesquinhos. Quando o que fazemos toca a dignidade. Quando deixamos nossa dignidade de lado.

Quando precisamos do outro, quando nos sentimos sozinhos, quando a solidão faz estragos. Quando não nos permitimos escolher melhor, por infantilidade. Quando destroçamos o outro por infantilidade. Quando queremos pisar apenas para nos sentirmos superiores. Quando vemos que aquele que nos admira desmascara a nossa podridão e queremos vê-lo sofrer. Por colocarmos o material acima do sentimento. Por brincar de jogos de poder. Por querermos dominar o outro, apenas para encobrir a nossa fraqueza.

Olhamos com tudo isso para o espelho. E é o que vemos.

Onde estamos? Somos essa casca? Somos podridão? Uma ferida pústula circulando pelas ruas? Apenas o que podemos comprar? Qual o preço por isso?

O preço é a vida putrefeita. É não ter valor algum. É não ser. Esquecidos de nós mesmos, vivendo os dias que nos restam. Sabendo que um dia irão acabar. Temendo a passagem do tempo. Vendo o quanto o Tempo é implacável. Aquele que denuncia a nossa inexistência, a nossa impossibilidade de estarmos perante a eternidade. O que resta é um amontoado de regras religiosas e esperanças estúpidas e tolas em um pós-vida imaginário. Ir a Igreja quando a velhice chega, pedir perdão pelos pecados. Perceber no vazio interior, que ali faltou um ser central, que negamos a vida toda.

O ser real, o Eu verdadeiro. Aquele que sabe quem é e o que aqui estamos fazendo. Aquele que daria um sentido para a velocidade com que os anos passam. O quão curto é uma existência. O quanto perdemos, deixamos de lado, vivendo sem compreender a nada. A falta de perceber o mundo. Percebermos quem somos. Percebemos o quanto esquecidos estamos em nossos jogos, em nossas crenças, na pseudo-realidade inexistente que criamos.

É pouco, muito pouco o que tivemos. O quanto deixamos de andar. O que deixamos de lado em nome da enorme mentira do mundo. Um todo de cascas. Um todo de pessoas que fazem qualquer coisa por atenção e reconhecimento, apenas para se sentirem reais.

Não é necessária a atenção alheia. Nem o reconhecimento da sociedade. Nem nos enquadramos em nome de algum ideal coletivo. Não vale o preço. Ser apenas mais uma pedra no muro.

Apenas uma engrenagem na grande máquina que é o coletivo. Engrenagem moldada para se encaixar. Engrenagem que deve ser consertada para que o grande mecanismo funcione. Deixamos tudo de lado em nome de um funcionamento. Em nome de algo que não nos pertence. Que não pertence a ninguém.

Só aquele momento pode nos tirar desse teatro de horrores. Aquele em que olhamos para o espelho e não vemos alguém. Vemos quem somos.

Nada mais. Nada menos. A realidade.

É nesse momento, quanto mais nos conhecemos, mais esquecemos de nós mesmos.