quarta-feira, 28 de maio de 2008

Ego

Goya - Prisão Interior


Quem sou realmente?

Essa é uma velha pergunta. Aquela que as igrejas costumam afirmar ter a resposta. Colocam a divindade a qual cultuam no centro e respondem que somos simples criaturas. Olhamos para esse todo despersonalizado, ligado ao que podemos chamar de sociedade, ou um “Eu” coletivo, que se curva perante a moral, a ética, a estética, aos costumes coletivos. Todos seguindo um rumo geral, lutando para se integrarem e tomarem uma posição de destaque nesse mundo que nos foi legado. E que passaremos a frente, via a sempre sagrada família, para nossos descendentes.

Mas... Quem sou realmente no meio disso? Não existe resposta nesse esquema que nos é imposto. Não há como saber quem se é pela vida que levamos. Não há como saber quem se é aceitando essa vida que nos leva a um freqüente desequilíbrio.

Quem sou realmente?

Não é fácil saber. A resposta é individual. Precisa ser buscada individualmente. Lá no nosso íntimo. Em figuras que encontramos apenas em movimentos místicos, em religiões e cultos exóticos, em um mundo que é qualificado como escapismo, ou fuga de responsabilidades, como um ideal inatingível, como um mito tóxico.

Quem sou realmente?

Essa questão está cifrada em textos confusos, em filosofias orientais, nas palavras de gurus, de mestres de coisas estranhas, escritas de formas complicadas, quase indecifráveis, de uma forma que é sempre difícil de compreender. E o que devo fazer para encontrar a resposta de quem sou realmente? Existe algum roteiro? Alguma fórmula? Algum curso? Seminário?

Quem sou não é quem o outro é. Não há como descobrir a si mesmo, apenas olhando o caminho daqueles que encontraram o próprio. Temos apenas linhas gerais do que conseguiram. A narrativa de um estado. O estado que conquistaram ao encontrarem o caminho.

O princípio inicial é aquele em que deixamos de viver apenas para o mundo. Existe uma necessidade espiritual para uma busca. Uma busca que parece sem sentido. Entramos na busca sem saber onde iremos chegar. Até o momento em que a pergunta surge:

Quem sou realmente?

Andando por esse mundo complexo, de procura de si mesmo, vemos que as respostas dadas são insuficientes. Cada um passa por processos individuais, na busca e na procura por quem realmente se é. Perder-se nesses domínios é fácil. Dar voltas e não chegar a local nenhum, também.

Como encontrar a si mesmo? Apenas dentro de si mesmo.

Estudar ajuda. Conhecer o que dizem as diversas escolas, também. Falar com quem superou esse processo, igualmente. Pode ser essencial ou não, dependendo de cada um. Pois somos únicos.

Temos figuras separadas, sempre mal compreendidas, interessantes de serem percebidas em sua integridade. Existe o Self, ou Si Mesmo, o Eu Superior, o Segredo, nosso conteúdo “divino”. O Eu, ou o Puer, a Criança Divina e Solar. O Ego, senhor das Máscaras e da Persona. E a Mente.

É assim que viemos ao mundo.

Quem sou realmente?

Jung dizia que o primeiro passo é a dissolução da Persona. Daí começa o processo de encontro do Si Mesmo. Abandona-se o coletivo, tudo que não é nosso vem para a adequação ao mundo e a sociedade. O Ego impede a manifestação do Si Mesmo. Confunde-se achando que é tudo que existe dentro de nós. Crê ser real. Necessita de atenção para manifestar-se. Atenção tanto exterior, quanto interior. Coloca-se no centro dos caminhos internos. Atrapalha o correto funcionamento da mente. Entope nossas vias com pensamentos inúteis e repetitivos. Perde-se no eterno diálogo interior. Necessita interagir com as pessoas. Não compreende o silêncio, a si mesmo, ou o que existe fora. Não consegue compreender os outros, por não saber quem exatamente é. Olha para tudo como se fosse uma expressão de si. Onde vê, tudo espelha. É incapaz de ver o outro como esse o é, pois não consegue perceber nada a não ser a si mesmo. Não percebe o mundo, a mentira da sociedade, os jogos de poder, a necessidade de ser para os outros.

A grande falácia do mundo é construída por ser dominado por aqueles que não dominam a si mesmos. O ego e todas as personalidades existentes dentro de nós criam um estado de confusão eterna. Um estado de necessidade eterna de expressão, de dramas, de carências, de instabilidades infindas. Todos são apenas projeções. São aquilo que o mundo dos egos projeta. Como tudo que projetam na sociedade, que crêem ser, que lutam para construir. Constroem sempre em nome de algo. Mas esse algo nada mais é do que a própria confusão interna, o mundo sem controle do ego. Aquele vazio estranho, que gera angustia, depressões, medos, inseguranças. O mundo complexo e infantil egóico. Complexidade essa que é apenas aparente.

O ego não foi feito para comandar. É apenas parte e não o todo. E uma parte pequena, apenas uma ferramenta.

Quando o ego se torna o controlador, impõe um reino tirânico que não se mantém. Uma negação do Eu real. Ao mesmo tempo, uma caricatura desse mesmo Eu. Finge ser quem é, em nome de controle. Mas não é realmente. Quando as posturas do ego, normalmente falsas e errôneas, são postas sob pressão, ou questionadas de forma cortante, esse simplesmente reage de forma descontrolada, com o intuito de se preservar. Assim, o ego manipula qualquer forma de auto-conhecimento real. Distorce, absorve, imita, tenta ser. Não o consegue realmente. Cria personalidades de cristal, belas e quebradiças. Inexistentes realmente. Impossíveis de se sustentar, quando o golpe é preciso.

O ego não resiste a análise. O ego demanda toda a atenção. Gosta de ser analisado. Gosta de saber sobre ele. Molda-se para ser aquilo que dizem que ele possa ser. Imita e mimetiza. Faz de conta. Diz que vai melhorar. Diz que vai colaborar. Até o tenta. O ego sempre quer evoluir, melhorar, conhecer mais. Tudo em nome de se manter no controle. Controle que foi cedido. Mas pode não ser eterno.

Quem sou realmente?



Não, não sou essa imagem refletida no espelho. Não sou aquilo que sempre julguei ser. Não sou isso que estou vendo. Lá no fundo dos meus olhos, vejo outra pessoa. Uma pessoa que por vezes aparece em algumas fotos. Pode ser que admire essa pessoa, pode ser que a tema. Não consigo ser indiferente a ela. Em algum local, existe um outro Eu. Em algum local perdido dentro de mim.

Quando aparece essa reflexão, o ego reage. Volta-se contra si. Teme perder o controle, faz tudo para se manter dominando. A parte controla o todo. É a luta do Si Mesmo. O real dentro de si, aquele que é bestial e instintivo, contra aquele que se diz humano, cheio de valores.

E os valores começam a ser quebrados. A moral torna-se um fardo, uma ilusão, algo irreal, criado por irreais. Coletiva, inexistente, uma forma de controle. Algo que o controlador usa para se manter no poder. Moral que cria leis, que rege a sociedade dos vencidos pela parte, vivendo em nome de mentiras, surrealidades, ilusões.

O mundo de ilusões do ego. O mundo irreal coletivo. A prisão real.

Conhecer a si mesmo, é manifestar a si mesmo. É conviver consigo mesmo. Não existe fórmula lógica. Não existe explicação. É ser. Apenas e tão somente. Quem se é, não se expressa. Apenas se é.



Ali no fundo, sentado em uma sala escura, apenas observando, esperando para tomar o verdadeiro controle. Ali está quem se é.

Em volta, o controle de quem não controla. De quem não é. De quem finge ser.

O Puer, a Criança Solar, aquela que realmente conhece o Si Mesmo. Onde o Si Mesmo se manifesta. O fenômeno do Si Mesmo. O fenômeno do Eu Mesmo. Sem crises, traumas, jogos, impossibilidades.

Encontrar ao Eu corresponde a penetrar em um oceano de possibilidades. Algo mais que Quântico. Algo incontável. Descobrir tudo que se é. Tudo que realmente se gosta. Tudo que realmente dá prazer, força, beleza.

Quem sou realmente?

Apenas seja.

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