quarta-feira, 14 de maio de 2008

O Mundo das Cascas

Apenas e tão somente, plástico. Um material artificial e poluente.



Palavras, imagens, símbolos, parábolas, histórias, imaginário e assim por diante... Nada é capaz de nos expressar. Nada é capaz de mostrar nossa verdadeira face.

Há um momento em que não conseguimos mais explicar o mundo e nada que vem do mundo tem o poder de nos expressar. Procuramos em todos os locais, em toda nossa jornada e percebemos que tudo o que estudamos, em todos seus nuances, ritos, formas e elementos, não é capaz de nos colocar diante daqueles que realmente somos.

Enquanto isso existe a busca pelo silêncio, o andar pelas ruas, a procura do isolamento, a dependência de terapeutas, de teorias, de tratamentos, de respostas e mais respostas. Respostas se reproduzem rapidamente. Eles geram questões e mais questões, de formas infinitas, que nos fazem procurar por mais repostas. O olhar para si mesmo é interrompido: Ficamos nas respostas e nas questões. Pode ser que nesses momentos, haja algum alívio. As respostas no aquietam, nos introjetam, nos colocam em um estado reflexivo, até a próxima questão.

A auto-análise é interminável. É perder-se dentro dos ciclos dos ventos internos. Somos o que querem que sejamos. Procuramos novos modelos para nos expressar de formas que acreditamos serem as corretas. Todos os modelos externos, desde os mais simples, aos mais sofisticados. Olhamos para as cartas do Tarot. Olhamos para a mandala astrológica. Olhamos para as rodas xamânicas. Para a sabedoria das runas. Para os psicologismos das Árvores da Vida. Olhamos para tudo e extraímos significados intermináveis. Inundamos-nos de teorias psicológicas. Olhamos para todos os mestres e criadores de teorias da personalidade. Cada um explicando o ser uma forma diferente. Todos sempre certos, cheios de teorias comprovadas e de “curas” miraculosas.

Ali nos enquadramos. Criamos pedestais para aqueles que cultuamos. Inserimos-nos em alguma forma de explicação aparente. Adaptamos nossas máscaras para representarem seus sintomas. Afogamos nossas esperanças em sermos curados das doenças que criamos. Damos forças a elementos externos e nunca entramos no centro do problema.

O problema que nunca existiu.

Todos são capazes de dizer como nos comportamos. A partir de quais parâmetros, de quais meios, de quais estruturas e por fim, como nos tornamos melhores seres. Porém, nada é capaz de desnudar quem realmente somos.

Existe apenas adequação.

E existe o poder de adequar. E esse poder consome e corrompe.

Nos doutrinamos e deixamos aqueles que são cheios de respostas a nosso respeito orgulhosos de nosso trabalho. Mudamos a partir de parâmetros. E ganhamos a atenção prometida. Assim mesmo e dessa forma: De algo além de nós, para nosso agrado.

Reprogramados, estamos prontos para o restante de nossas vidas, plenos de novos significados, que foram dados pela nossa “transformação”. Temos todas as respostas. As questões são explicadas por alguma teoria, ou pela experiência de quem nos dá esse pressuposto novo ser, ao qual vestimos, felizes com uma nova roupa.

Roupa nova terapêutica, roupa nova esotérica, roupa nova religiosa, roupa nova na qual nos apegamos. Sempre nos explicando, sempre sabendo o que somos a partir de algo.

Esse é sempre um algo que não é algo.

Ninguém é algo que o explica. Ninguém é passível de explicação. Não existe percepção a partir de um ponto. Nada que entra na nossa cabeça é real, desde que não venha do centro. O movimento rumo ao centro é único, exclusivo, delicado, intrincado. É um dar de voltas e ir quebrando todos os obstáculos. O destruir da sala de espelhos. O destruir dos espelhos que usamos no rosto. Não podemos mais nos adaptar. Temos de aceitar. Quebrar cada pedaço do que não somos. Descobrir, procurar e perceber cada pedaço que não é o que somos. E estamos cheios de partes que não são nossas. Partes que assumimos, partes que criamos e aumentamos. Imagens inexistentes. Apenas uma sucessão de imagens. Apenas reflexos em um local desolado. Projeções dependentes. Projeções de seres dependentes. Cascas infinitas auto-geradas pelo nada. Cascas que vivem pelas cascas. Cascas que se relacionam com cascas. Cascas animadas. Fúteis cascas. Infelizes cascas. A maioria absoluta dessas cascas crê existir.

Realidade...

O que é a realidade, quando se percebe o mundo das cascas ambulantes, que pensam serem algo verdadeiro? Várias dessas cascas existem apenas para decorar o ambiente. Vazias, andam pelas ruas procurando enfeites, para agradar outras cascas. Inertes, seguem os ritmos da mente coletiva, acreditando saberem algo. Irreais, apenas são proteções para esconder o que as gera. Cascas que se parecem com máscaras.

Máscaras que geram máscaras e que não dão opção de escolhas. Escolhas estão além das máscaras. Máscaras não são capazes de decidirem por si mesmas. Apenas seguem a corrente. Seguem o fluxo do grande rio das máscaras. Aquele que desemboca no oceano da Morte. Morte que provoca o medo. O medo que faz com que o gerador das máscaras saiba de seu inexorável destino. O medo que escancara para quem possa ver além da sujeira que é o mundo das máscaras, a grande fantasia do mundo.

Um dia tudo deixa de ser. Podemos acessar a aquele que está além das máscaras, além da busca interminável de segurança, da angústia eterna, do medo que consome, da insegurança que desconsola, do vazio que exige explicações e respostas, dos modelos que não são capazes de dar a paz, da inconstância dos ventos que nos desnorteiam, da incapacidade em tomar as rédeas da própria vida.

Ou podemos viver de hedonismos, de satisfações putrefeitas, esquecer de pensar sobre nós mesmos e simplesmente esperar. Um dia a foice sempre chega. E nesse dia não passamos de mais um nome numa lápide.

Um nome que vai ser apagado com o tempo.

1 comentários:

Moranguinho disse...

Palavras, textos, idéias... Palavras formam textos, textos conduzem a idéias, idéias valsam, duelam, se associam...
Lendo teu texto não pude deixar de lembrar aquela outra grande pessoa, o Fernando:

"Quantas sobrepostas máscaras usamos
Sobre a face da nossa alma ? - e mais, quando
Se para seu bel-prazer, se desmascara,
Sabe ela, sem a derradeira, sua face estar fitando ?
A verdadeira máscara seu reverso não conhece;
Para fora apenas olham seus olhos mascarados;
Qual for o sentir ou consciência que comece,
Aceitar é já tê-los adormentados.
Como criança assustada pelas faces espelhadas
Crianças, almas nossas, de pensar perdido,
Outros fingem nos seus esgares de miragem,
De sua origem criando um mundo esquecido.
E quando a alma mascarada um pensamento fosse revelar
Nem ele mesmo vai desmascarando p´ra desmascarar."

Fica bem!apgwaaghdeqpfahxwlzhv