segunda-feira, 7 de abril de 2008

Labirintos de Espelhos



A luta com o Si Mesmo



Em nosso primeiro trabalho, o Velho da Montanha me mostrou um estado absoluto de encontro, uma imagem de percepção como um espelho daquilo que existe dentro de mim. Nem sempre percebemos o que está aqui dentro, pois é mais fácil estar perdido no enorme labirinto de espelhos, que também chamamos de psique.

Assim termina Jorge Luis Borges o conto “A Casa de Asterion”:
- Acreditarás, Ariadne? – disse Teseu – O minotauro apenas se defendeu.

O labirinto é sempre um acesso, uma entrada, um local para onde vamos procurar um encontro. Assim como em Creta, existia um labirinto no Necromanteion, o local do oráculo dos mortos. O centro do labirinto é o local do acesso a si mesmo.

O labirinto também é a imagem da cidade. A cidade também é uma das referencias à Alma. Trafegar pela alma é andar pelo labirinto. Estar ali sozinho é estar sujeito a ser destroçado pelo Minotauro. Andar com a senhora do labirinto, Ariadne, é ter o fio que permite encontrar ao Si Mesmo e conseguir o retorno seguro.

O labirinto é pleno de caminhos e encruzilhadas. Composto pelos seus limites, com encruzilhadas em forma de “T” e encruzilhadas em forma de cruz. Um composto de cruzes e suásticas. Habitado por um ser meio homem e meio touro, de forma humana e bestial. O touro de Dionísio, que muitos crêem ser um deus cultuado em Creta. Dionísio que é apontado (juntamente com Hécate) como um deus que leva à bestialidade e à loucura.

Asterion, em grego ou Asterios, em latim, é o nome ao mesmo tempo do Minotauro, como de um rei de Creta. Asterion, ou “Senhor das Estrelas”, casou-se com Europa, amante de Zeus e criou seus três filhos Radamanto, Sarpedon e Minos. Existem versões onde o rei Asterion e o Minotauro são o mesmo ser. Minos viria a ser o sucessor de Asterion no trono de Creta. Em outro mito, o Minotauro é filho de Parsifae e de um touro que Poseidon envia a Minos, para ser sacrificado.

O que nos reserva o centro? O que nos reserva o centro do labirinto, provável morada de Astérion?

O labirinto é algo como o nó górdio. Um emaranhado impossível de ser decifrado. Conta o mito que Dédalo, brilhante construtor, ficou preso no próprio labirinto que criou a pedido de Minos, para aprisionar o Minotauro.

A psique não desvendada demanda sacrifícios e esconde seres como o Minotauro, como no mito em que Minos exigia que anualmente sete rapazes e sete moças fossem entregues para o sacrifício no labirinto. Como no texto de Borges, o Minotauro esperava seu salvador. Dessa forma, esse ser aparece como uma das representações do Si Mesmo, aquele que vive no centro do labirinto.

O Minotauro também é muitas vezes associado a Dionísio, deus do êxtase e portador das máscaras. As máscaras como acesso, semelhantes ao labirinto.

Ícaro, filho de Dédalo, também fica preso no labirinto. Junto com o pai, com asas feitas com cera, escapa voando. Mas, extasiado com o vôo, vai rumo a Hélios, o Sol. O calor derrete suas asas e ele cai no mar. Quem “escapa” do labirinto encontra outros perigos.

O centro é o local onde estaria localizado o Minotauro, a figura bestial, envolta na “sombra” do labirinto. Aparece a imagem que o Velho da Montanha me passou. Estar no centro, ser como uma rocha ou uma montanha, imóvel, centrado, localizado onde tudo converge. A visão total é alcançada por quem chega ao topo.

É claro que a rocha ou a montanha são símbolos pessoais. Poderia ter utilizado a imagem do Unicórnio, ou de violentos Dragões Telúricos.

Há muito tempo o Príncipe e a Princesa me disseram que isso se tratava do “ponto de convergência”. O ponto mais eqüidistante de tudo que somos. O local central de todo o nosso “tempo”, passado, presente, futuro, num mesmo instante. Todas as nossas sub-personalidades, em uma só. O centro das máscaras de nossa persona. O centro de tudo que falei. O “ponto de convergência” pode ser encontrado em diversas culturas, religiões ou cultos. Não é algo exclusivo, mas algo comum a todos que trafegam pelos corredores do próprio labirinto, parte do labirinto universal. O ponto de encontro de todas as almas. Uma cidade de símbolos, de locais, de passagens, de elementos infinitos. Um enorme jogo de espelhos cósmico. Aquele que é regido pela Senhora de toda a psique.

O fio de Ariadne não é apenas um fio, é o desenrolar de quem somos, o caminho que nos leva ao Minotauro e a trilha que nos define. Somos o caminho que trilhamos, todas as marcas que recebemos com ele. Somos as marcas que nos impelem a trilhar o caminho. Não existe diferença entre nós e o caminho. Entre nós e o fio de Ariadne. Ao encontrarmos o Minotauro, esse fio se torna nossa placenta, o sinal e a marca de que nascemos. A Senhora do labirinto se torna a parteira de nossa alma. Nascemos novamente, como filhos de uma Mãe que nos fez lutar contra o nosso Eu Mesmo.

Nada é dado gratuitamente. Quem vence o Minotauro, conquista a Si Mesmo. O Si Mesmo que emerge das sombras pelo êxtase, a tragédia dionisíaca. A omofagia de quem não somos. Criamos o nosso próprio alimento. Criamos nossos próprios medos, inseguranças e demônios pessoais. Eles serão sacrificados no altar do centro. Algo como o despir das cascas que nos levam à descida ao Mundo dos Mortos. O consultar do Necromanteion, o encontro com o oráculo, o oráculo dos nossos próprios mortos. Descer o seu labirinto, até a escuridão e ouvir as vozes dos que já se foram, mas estão nos indicando o caminho.

O encontrar do Santo dos Santos, um templo onde o local mais sagrado e fechado, destinado ao mais puro dos sacerdotes é onde existe um espelho. Nesse momento nos fundimos à imagem. E refletimos quem realmente somos. O Selvagem total e completo. Algo destinado apenas ao Guerreiro Perfeito.

Ali, num local onde vemos tudo. Não existem vários de nós, apenas um. Não criamos partes de nós identificadas com mitos, ou contos, ou lendas, ou algo imaginário. O centro é o real. O labirinto é de espelhos. Em cada caminho de nosso labirinto, reflete uma parte desse centro. Em todos os reflexos, um caminho tortuoso e impossível de se traçar. A cada ponto, o risco do Minotauro. Quando se chega ao centro, encontra-se o Eu Mesmo, antes de tudo Bestial.

Sem estarmos no centro, ou sem conseguir contato com ele, estamos perdidos pelos corredores, decorados com machados duplos.

No centro, vemos todos os reflexos possíveis do Eu Mesmo.

Os reflexos dos reflexos, dos reflexos, dos reflexos.

Os reflexos são infinitos.




Site com o texto completo de “A Casa de Asterion” de Jorge Luis Borges:

http://www.alfredo-braga.pro.br/biblioteca/asterion.html

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