quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fortaleza da Imaginação







É muito fácil nos iludirmos com a nossa imaginação. Por mais perfeita que seja, por mais que tenhamos visto algo próximo, ainda é imaginação. Sonhar com algo não é conquistar. Imaginar não é viver. A imaginação nos aproxima de um contato, com o devido desenvolvimento próprio, pode nos levar a anteciparmos algo o que iremos passar. Mas nada substitui a experiência.

É claro que poucos têm possibilidades com o imaginário, que é uma das portas de entrada para o universo além do físico e não propriamente metafísico, o mundo não visível pelos nossos olhos materiais. A busca pelo imaginário já é uma forma de descolarmos dos véus da ilusão. Mitos, lendas, histórias, contos, folclore. Ali estão descritos seres e acontecimentos que nos deslocam do mundo aparente e abrem o caminho para algo maior. Quanto mais conhecemos, do mundo imaginário, mais podemos nos sincronizar como Tempo da dimensão onde encontramos o invisível.

A dimensão do imaginário em principio nos tira das amarras da realidade ilusória. Podemos mesclar o invisível com conceitos, criar simbolismos, perceber-nos através dos espelhos da imaginação. Olhamos para mitos e vemos sentidos “psicológicos”. Estudamos deuses e procuramos encontrar seus significados e o que representariam. Estudando mais, vamos nos intrincando em um universo próprio, mesclado com a tentativa de compreensão de todos os seres humanos. Esses olham para as fábulas e procuram sentidos e explicações para se entenderem. Tentam se aproximar da auto-compreensão, redefinindo as percepções do sagrado de povos antigos, ou tidos como “primitivos”. Observam a religião alheia e a mesclam com todos os tipos de simbologias e psicologismos. Descaracterizam o sentido de sagrado de diversas culturas, procurando os sentidos dos seres humanos.

O estudo da mitologia é algo extenso, uma tentativa de sistematização do funcionamento da psique, tendo em vista as suas expressões no ponto de vista mítico. A comparação de divindades tem o sentido de perceber elementos da alma através de suas crenças e da criação de divindades. Com nascem crenças, que tipo de função gerou determinado rito. Como as crenças da humanidade evoluíram até os momentos atuais. Quais os componentes das religiões atuais decorreram do culto de antigas divindades primitivas.

O estudo do fenômeno espiritual, em todas suas escalas, daria respostas do funcionamento de determinadas áreas do cérebro. A compreensão do ser humano e sua composição íntima, manifestada por todas suas áreas de expressão. As crenças moldando o aparecimento e desenvolvimento da civilização. Relações entre culturas antigas e atuais e a forma como o imaginário se compõe. Desse ponto de vista, é fácil penetrar nos elementos próprios, acessando os mitos diretamente e procurando a forma como reagimos miticamente. Nossos mitos pessoais que se relacionam com determinado mitologema e em como podemos desenvolver todo o nosso potencial. Como ir além dos mitos que criamos para nós? Como modificá-los, com o intuito de nos percebermos, curarmos, penetramos de forma eficaz no inconsciente e tratar mais facilmente da psique?

Resignificamos mitos e observamos melhor os deuses e heróis perante uma visão de determinada escola de psicologia. Utilizamos os resultados para perceber melhor o funcionamento de nossos complexos, perceber arquétipos, ou qualquer outra estrutura do inconsciente. É um belo estudo, que vai absorvendo vastos campos de conhecimento, sendo entrelaçados de forma criativa. Perceber os conteúdos psicológicos de deuses esquecidos e aplicar significativamente na cura e desenvolvimento da totalidade.

Toda essa escalada seria belíssima, se por um acaso não tivesse deixado de lado um determinado elemento. Um esquecimento básico, algo que a racionalidade tão cultuada e propagada atualmente fez questão de tornar um paradigma.

A viagem intelectual e erudita humana esqueceu-se de algo básico:

Deuses existem.

Deuses não são símbolos. Existem além de nossa compreensão. De nossa necessidade de esquecê-los. De deixá-los de lado.

Quando um deus é esquecido, não deixa de existir.

Talvez, apareça um questionamento básico em nossas dúvidas a respeito do invisível:

Se uma divindade não é mais lembrada pela humanidade, pode ser que essa exista por motivos os quais não sejamos capazes de compreender.

É hora de despertar perante as visões que temos. O imaginário é apenas a porta de entrada. Além dele, existe muito mais. Além de nossas crenças, de nossas teorias, teses, estudos, erudição, intelectualidade, conhecimento que supomos ter sobre nós, os outros e o coletivo.


O imaginário pode criar uma fortaleza. E essa nos jogar em nossa solidão. Um mundo particular que acreditamos existir, fundamentado em nossos anos de estudos e conhecimentos acumulados. Coisas reais mescladas com nossas conclusões. Conclusões nossas geradas pela visão que temos. Pela forma que somos acostumados a olhar. A forma como somos condicionados a perceber. Percepções geradas pelos métodos que o coletivo nos ensina, educa e diploma.

Vá até a montanha e descubra se o que chamam de montanha é exatamente o que disseram. Podemos ler um tratado sobre montanhas. Estudos acadêmicos avançados sobre elementos ligados a montanhas que seriamos incapazes de compreender totalmente. Somos forçados e ler diversos materiais, conhecer especialistas, freqüentar aulas e seminários a respeito de montanhas. Entretanto, ao chegarmos a uma montanha, podemos descobrir que essa não tinha similaridade alguma com o que diziam sobre ela.

Existem diferenças entre estudar um culto de um povo longínquo através de livros e palestras e conhecermos seus praticantes pessoalmente. Existem diferenças entre conhecer seus praticantes pessoalmente e ver o que cultuam. Existem diferenças entre ver o que cultuam e passar vida inteira, como um deles, sendo parte de tudo aquilo.

Mesmo entre aqueles que dizem cultuar divindades, que fazem suas oferendas, rituais, libações e elevações, poucos são os que escapam dos grilhões do imaginário. Quando sequer vão além e simplesmente o acessam.

Uma evocação não é sinal de contato. Nem tão pouco garantia. Nem o que julgamos sentir, ver, perceber. Não podemos acessar o divino sem vencermos os grilhões que nos prendem nas incompreensões errôneas de quem somos.



O mundo não é o que imaginamos. Nem tão pouco as pessoas que conhecemos. Volta e meia criamos coisas pela incapacidade que temos de nos aprofundar. Criamos, imaginamos, julgamos perceber. Fundamentamos nossa imaginação em justificativas sobre o que queremos de nós, sobre o que queremos dos outros, sobre o que queremos acerca de tudo. Apenas querer não basta. As coisas são o que são da forma que são.

Imaginamos o divino de forma que esse nos auxilie. Imaginamos ter contato com deuses, com anjos, com demônios, com tudo que é possível. Imaginamos que eles influenciam nossas vidas. Que recebemos coisas deles. Que somos especiais para eles. Que não exigem nada em troca. Que basta ser como somos e teremos a sua misericórdia e auxilio. Imaginamos sermos seus sacerdotes. Imaginamos que fomos iniciados em seus mistérios. Que passamos por rituais e práticas que nos colocaram em seu caminho. Que receberam nossas oferendas, que nos ouviram. Que serão a nossa vingança. Que aceitam nossos caprichos. Que temos razão perante todos e que somos sempre auxiliados por isso. Nossas crenças imaginárias são nossas justificativas. São acúmulos de informações inúteis e incompreensões baseadas, como sempre, no ego. Por isso nos irrita tanto quando alguém não acredita em nossa fé. Quando questionam nosso contato. Quando cobram nossos resultados. Quando colocam o dedo na nossa ferida. Quando, por um instante, imaginamos que podemos estar errados. Quando imaginamos que nossas experiências foram falhas. Que não sabemos, apenas imaginamos. Que não vivemos nada, apenas nos enganamos. De uma via inicial, para a via enganosa. O pântano das ilusões que criamos. Não conseguimos transcender os mitos e acessar suas fontes. Não conseguimos compreender suas lacunas, suas incongruências, suas contradições. Assim, caímos no jogo de criar mitos que refletem apenas nossas cascas. Que refletem nossas lacunas, nossas incongruências e nossas fatídicas contradições. Criamos, cremos, nos explicamos. Aumentamos os mecanismos de distorção de quem pensamos ser, em nome do controle. Em estarmos distantes de quem somos e entregues aos descaminhos.

O mundo das cascas é um mundo profano.

Romper as cascas é entrar no Ovo Cósmico do Si Mesmo.

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