segunda-feira, 21 de julho de 2008

Jogar-se

Jogar consigo mesmo. Ficar preso nas próprias palavras. Ficar preso nas próprias justificativas. Estar diante de si e longe de si. Cada um cria a própria dor. Cada um tenta criar a própria felicidade. Jogam consigo mesmo. Brincam de tentar entender, procuram saber algo, mas não muito, a respeito de cada um como é. Cada um jogando e nunca vencendo. Cada um perdido no absurdo movimentar de cada peça. Nenhum instante revelador. Apenas o movimentar eterno em si, sem ganhar nenhuma posição. Frente a frente com o espelho, sem considerar a própria imagem. Apenas observando e jogando, sem nunca deixar-se.

A visão além do jogo pode ser desesperadora. Olhar a si e perceber a inércia do mundo em cada movimento é um estado indesejável. Cada um é escravo do que cria, do que deseja, do reflexo que criou. Servos impotentes dos mecanismos de inserção. Tão dependentes das relações como de respirar. Cada um jogando consigo mesmo, sendo adversário de cada parte sua.

Peças que se movimentam pelo tabuleiro interno que se reflete a tudo em volta. Cada peça impedindo o deslizar de outra. Cada jogada fecha a possibilidade de um ataque. Sem ter como abrir o jogo, cada posição protegendo outra. A peleja nunca será vencida, pois o esforço é para manter firmemente cada posição. As relações vão se intrincando e cada um mergulha para garantir cada pedaço para si. Os jogadores se interpenetram. Cada um move-se em simetria. Não há como vencer o jogo, apenas estar ali para o resto da vida, lutando para não perder espaço para o outro. O outro que não é outro. Apenas partes fragmentadas de si que movem-se pelo tabuleiro.

A disputa consome cada um em cada instante. O Tempo devora os jogadores e as peças. Jogar consigo mesmo causa a perda. Perder-se em si, dentro de si estando apenas fora de si. O que é fora é como o jogo dentro. Cada peça se move conforme nos estagnamos em nossa vida que não se movimenta. Quanto mais progresso pensamos ter, mais presos aos movimentos de nosso jogo. Somos eternos adversários, de forma oca, perdidos na falta de pensamentos do que planejamos como nossas supostas metas de vida. Presos no circular do mundo e jogando conosco. Criamos nossas mazelas, nossos problemas, nossa dor. Sofremos a danação eterna do inferno pessoal. Circulamos pelo tabuleiro, brincando com nossos destinos. Perdidos no quanto somos mesquinhos. Presos dentro do tabuleiro.

Não há saída do jogo. Nenhuma parte irá vencer. Olhamos fixos para cada jogada sem conseguir alcançar nenhuma posição favorável. Cada lance é estar perdido no tabuleiro. Sem conseguir desviar a atenção para o que interessa e para a imagem distorcida perante o espelho.

Não iremos longe com esse jogo e estaremos ali indefinidamente. A cada dia o Vazio está à frente. Estamos entretidos conosco, em um dialogo interior infindável, entre as vozes das peças que se movem presas na inércia de tudo. Não somos capazes de saltar no vazio. No lúdico de nossas ilusões. Pensamos estar jogando com o mundo, estarmos além dele e termos controle. Não temos nada, apenas o relógio contra nós eternamente a cada jogada, pedindo um simples movimento além do tabuleiro.

Não há ganho, apenas jogo. O jogo pelo jogo. Presos dentro de nós sem olhar para dentro, vendo tudo que existe ao redor, para os outros, esquecidos na grande teia que nos consome.

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