sexta-feira, 11 de julho de 2008

Lutar com o mundo para lutar consigo mesmo




A maneira como trato o mundo é a maneira como me trato, enquanto estou sob o domínio do coletivo. Estar dentro do coletivo é estar sujeito a toda a escala de regras de relacionamento. Ser dependente do sistema significa agir como o todo, de forma inconsciente, seguindo a maré, esquecido de Si Mesmo, como um barco à deriva. Quem luta contra o mundo, tentar lutar consigo. Agredir ao mundo é agredir-se. Tratamos o exterior da mesma forma como nos tratamos, até termos a percepção de quem somos. Antes, na maré da inconsciência, deixamos de ser, para estarmos conectados com todos os outros. Nos adaptamos ao ego coletivo. Assumimos seus valores, suas formas, suas maneiras e vivemos para sermos apenas mais um, igual a todos, esquecidos de quem somos.

Agredir ao meio é agredir-se. Criamos máscaras de ataque, comportamentos inadequados, formas agressivas. Rimos do mundo, mas ainda pertencemos a ele. Desprezamos o que nos cerca, mas somos parte disso. Usamos de cinismo a todos que nos cercam, os menosprezamos, os achamos idiotas, menos capacitados, inconscientes, perdidos. Sem a consciência de Si Mesmo, olhar ao outro é criticar a si próprio. Agredir aos que nos cercam é agredir-se. O mundo não é o foco. Os outros não são a medida. O efeito do criticar é apenas um estágio inicial. Perceber o outro é um inicio de perceber a si mesmo. Apenas o início.

Não posso culpar o mundo pelo que não realizei. Só posso tirar de mim as respostas. Quem sou e o que consegui estão em mim, não no mundo. Sem a percepção de quem sou, não há como saber até onde realizei, consegui, progredi, me perdi. Não é pelos valores e objetivos coletivos que irei perceber até onde poderia ter ido. O mundo não é medida para quem sou. O mundo não é medida para meus sonhos. Nem para meus objetivos. Não posso querer seguir as expectativas de todos. Tenho de descobrir o que vive em meu íntimo, para saber o que realmente quero.

Quem não sabe o que quer, deseja o que todos têm. Se todos não sabem o que querem, podem ser programados a desejarem algo que foi manipulado como objeto. Como sentir o que vive no íntimo e saber quais são os seus reais desejos? Como descobrir onde está o próprio centro, além do centro do mundo? Quebrar a ilusão de que sabemos o que queremos, enquanto procuramos o que todos procuram. Não saber é dependência. É procurar quem dê as respostas e viver para tê-las de alguém, ou qualquer outro algo que não seja apenas quem somos.

Ouvir as respostas para nossas necessidades espirituais e ser guiado por algo coletivo é perder a própria essência. Uma forma de controle apurado, impingindo um comportamento adequado perante o coletivo. O coletivo necessita de ser organizado para continuar funcionando e para nutrir a todos que são dependentes dele. Quanto mais mesclados com o sistema, mais inconscientes e distantes de nossa essência estamos. Precisamos do coletivo para tudo. Para sabermos o que fazer, para estabelecer nossas metas, para sabermos como nos portarmos, qual aparência devamos ter. Não existimos para nós, somos apenas replicas que funcionam automaticamente sem sentido algum.

Manter-se conectado custa muita energia. Damos tudo que temos ao coletivo. Cedemos esperando ter tudo em troca. Estamos no mundo e pertencemos a ele. Somos dominados conscientemente. Necessitamos de amparo dos outros que nos cercam para nos sentirmos seguros perante tudo. Tememos que o sistema se desligue e não temos coragem para ficarmos longe do controle. Não temos autonomia. Não sabemos nos guiar perante as ilusões coletivas. Não somos capazes de nos opormos perante a tudo que nos cerca, pelo tanto que somos dependentes. Nem tão pouco conseguimos amadurecer perante o mundo. Temos sempre reações de dependência infantis, reações ocas e sem percepção alguma do que nos cerca. Reações mantenedoras do mundo coletivo. Controles sobre os nossos sonhos reais. Controles de comportamento e opinião.

Controles e dependência. Cada um se torna tão dependente que é capaz de lutar e matar em nome do sistema. As saídas estão sempre fechadas. A única porta é a interior. Encontrar a liberdade do mundo é um despertar. Pode significar o encontro com outra forma de controle. E de onde deveremos despertar novamente. O mundo em cascas, onde vamos nos dissolvendo continuamente. Perdendo as cascas e despertando e perdendo as cascas e assim sucessivamente.

Sucessivas espirais de encontro com o que está além. Visões diferentes das coisas ao entrarmos nas câmaras interiores de si, guiados pelo fio de Ariadne. O labirinto do labirinto. Cada labirinto mais exterior ao outro. Cada vez mais libertos do que nos torna iguais aos outros. Menos conectados ao Todo que se movimenta em uma enorme teia, dependentes um do outro, seus destinos ligados, suas vontades em nome do Bem comum.

Compreender a individualidade parte da percepção do que nos diferencia de qualquer estrutura coletiva. O Bem comum, aquele que nos torna iguais a todos em espírito, é também uma forma de controle. A espiritualidade de massa, o correto para todos, o aprovável, o perceptível, o caminho da humanidade. Formas elaboradas de descaracterização. Onde existe luz em abundancia, existe cegueira para ser distribuída.

É muito fácil ser seduzido por falsos resultados que criamos. Cairmos em nossas ilusões. Em nossas necessidades de auto-afirmação. Nos tornamos o fruto de nossa auto-importância. Seres transcendentes que pensam compreender as coisas e que querem transmitir para os outros o progresso que recebemos.





O mundo controla as saídas. Nos seduz a despertar dentro dele. Nossa luta com o mundo pode ser apenas algo manipulável.Uma forma de perder energia para a busca de Si Mesmo. Nossas inadequações, revoltas, tentativas de revolução. Coisas que são sempre absorvidas e adaptadas em novas formas de controle coletivo. Elaborações novas. Apenas códigos mais complexos para nossa virtualidade. Quando nos dizemos livres, estamos novamente presos.

Uma coleira chamada liberdade.

Dogmas não podem dizer quem somos. O coletivo é para o coletivo. O que está para todos, não está para ninguém.

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