quinta-feira, 19 de junho de 2008

Repetições


Viver para o coletivo é viver um padrão. Estar para um todo. Preocupar-se com esse todo. Permanecer ligado a todos os elementos coletivos da sociedade, dos grupos aos quais vivemos e a todas as regras possíveis impostas a nós. Ter de regrar-se a uma moral coletiva e colocá-la acima das próprias conclusões. Aceitar de pronto o que é dito como correto, belo, ideal, religioso e divino. Compactuar para a idéia de que o “bom” é o que rege o mundo, as pessoas e tudo que nos cerca. Crer que existe retorno ao que ofende nosso ego. Negar a própria natureza em nome desse padrão coletivo. Honrar a família e seus valores. Não ser capaz de enxergar o que nos cerca como algo além de relações de amor, de cumplicidade, de amizade. Não ser capaz de enxergar tudo como é.

Estar no coletivo é não ver as pessoas como elas são. É pensar em como ser notado e valorizado por elas. Dar atenção, dedicar-se, preocupar-se, com quem não tem valor algum, em nome de reconhecimento. Viver em busca de aplausos, de ser visto, promovido, de ter algo que os outros achem interessante. É promover-se incessantemente, tentar estar no foco, estar nos holofotes, sempre ter algo interessante a dizer. É ter a opinião que é mais correta aos olhos do coletivo, do correto para todos, do que é moderno, aceitável e que leve a sociedade para algo melhor. É procurar saber mais que todos, estudar e desenvolver-se apenas por uma posição melhor. Viver apenas competitivamente, moldado por aquilo que o mercado impõe como sendo de maior produtividade. É entregar-se a uma vida de construção material sem enxergar nada mais. É aceitar o que é imposto por aqueles de quem somos dependentes para sobreviver. Negar-se em nome de uma carreira, de um futuro, de uma aposentadoria tranqüila. Simplesmente achar-se superior pelo que tem, pelo que carrega na carteira, pelas grifes sofisticadas que engenhosamente dominam as mentes.

Não existe lucro em uma vida dessas. Apenas custos. É uma sangria desatada de si. Um entrega de algo que não tem preço. Viver o mundo sem pertencer a ele, essa é a grande questão. Como honrar a todos os contratos que assinamos em nome de estar no coletivo? Um coletivo que exige seus direitos, em nome de nossos deveres? Andar pelas ruas de manhã, correndo no transito, passar o dia todo em um trabalho nulificante, tentar voltar para casa, consumindo o que a televisão oferece ao coletivo. Uma noite de sono e a repetição interminável dessa rotina, onde os anos passam com velocidade. Onde existe a aplicação total para a conquista de coisas materiais que duram poucos anos e necessitam de serem trocadas constantemente. Eternamente enquanto durar nossas vidas. A busca de coisas que não tem necessidade alguma. O funcionamento do relógio mecanizando as vidas, enlouquecendo a cada pulso, a cada movimento de um ponteiro, interligado a um nervosismo em nome de captação monetária. O mecanismo enorme das cidades. O stress do sucesso. O enlouquecer em nome de migalhas. Viver em nome de cédulas. Viver em nome coisas que estão todas fora. Nada dentro, nada próximo de quem somos. E cada vez negando a si mesmo nesse movimento, onde o que importa é ter sucesso. Toda a moral da sociedade é voltada para tal.

Entretanto, o material é importante. Viver para ele é perder-se. Perder-se na repetição, nas cascas da sociedade, do mundo em geral, do entregar-se ao coletivo. Cada coisa tem seu valor devido. Nem mais, nem menos.

Não é possível encontrar ao Si Mesmo voltado para fora de si. O Self não está fora, mas reflete-se em tudo que somos. Estando perdidos, estando longe de quem somos realmente, estando em locais onde é impossível de nos vermos. Mesmo assim, o Self se manifesta. O ego é uma casca, mas uma casca baseada no nosso Eu central. Uma casca que não cola, que é irreal, uma falsificação mal feita de quem somos. Uma tentativa. Uma imagem daquilo que queremos ser, mas que não somos. Mesmo assim, uma imagem com vários elementos do ser central. Descartando o que não somos, encontramos o que somos. Focando naquilo que é nosso, encontramos o tesouro escondido e enterrado no fundo do pântano de nosso interior renegado.

Quando o Eu surge e controla o ego, consegue encarar o mundo com olhos reais e não com os óculos mais caros da moda. Daí vem a estabilidade e a estrutura para enxergar-se no meio de tudo. E a força para estar no mundo sem pertencer a ele. O que somos é a medida de todas as coisas da nossa vida. É estar além de procurar viver pelo pouco. De achar-se abençoado pelo pouco que se tem.


O começo do fim da loucura.

Nem tudo o que pensamos vem de nós. Vem do ego, de outros seres que nos habitam e de seres externos. Volta e meia, uma voz de sabedoria se levanta. Raramente se manifesta, dando a resposta nos momentos de crise. Como algo vindo dos céus, ou um anjo celestial enviado pelo Altíssimo, em sua Divina Providência. Nossas crenças nos iludem. Julgamo-nos sempre especiais para o Superior. Se soubermos de nossa solidão nesse mundo e tivermos a consciência de que tudo está em nossas mãos, vamos perceber que essa voz é o nosso Self que se levanta em momentos de crise. Que o Eu Central é capaz de conversar conosco quando o deixamos falar e ocupar a mente. Normalmente todos confundem essa voz com algo além. Esse é um momento de confiança, de plenitude. É quando estamos conosco e nos achamos.

O restante do tempo, as vozes que embalam a mente são uma confusão eterna na quase totalidade de nossas vidas. Uma tempestade interna que se mistura com a tempestade coletiva. Com as catástrofes mundiais, com o caos a nossa frente. Com a futilidade daqueles que nos cercam. Egos falando com egos. Cascas se relacionando. Cascas que crêem existir. Amizades de cascas, relacionamentos entre cascas. Nada real. Máscaras mais decoradas e sofisticadas loucas para demonstrar seu “valor” aos outros. Máscaras estúpidas, mesquinhas, grosseiras. Aquelas que repetem o que é mais moderno e enfeitado. Ou que pelo menos tem a certeza de não estarem entregando-se a suprema cafonice. O cafona olhando para outro cafona e jurando que o ridículo é o outro. O abnegado trabalhador maníaco por cumular bens, que julga estar construindo um futuro melhor. Aquele que não compreende como todos estão “melhores” do que ele e culpa a inveja alheia pela falta de sucesso. Os que tem certeza de que estão sendo perseguidos por todos que tem menos capacidade. Os que vão a um nível impossível de degradação em nome de um mero cargo. Insatisfações, frustrações. Nunca nada é suficiente. Sempre querendo mais e mais. E perdendo-se na loucura. Esquecendo de olhar para dentro. Lá dentro, onde tudo faz sentido.

Movimentos de encontro consigo mesmo nunca vem de fora. As crises nos colocam em um estado que refletimos, pensamos desesperados em uma solução. E esse desespero pode, em determinadas ocasiões, dar o acesso ao Eu Central. Como se diz, o Ego é um falso centro. Porém, vencer o ego não é extingui-lo. O ego é parte de nós como se diz, por exemplo, no Sufismo. Não deixa de existir. Não podemos cortar um braço com problemas para sermos melhores atletas.

Quando o ego perde seu controle e o centro verdadeiro assume o controle, aparecem as vozes. Partes de nós construídas pelo controle despreparado do ego, assim como diversas outras marcas. Não só verdadeiro centro, ou Eu Real, ou Eu Central, utiliza a mente. Percebemos os elementos internos sabotadores. O coletivo nos leva a doença, a procuramos o sofrimento, a não termos maturidade, a nos perdermos no caminho. O coletivo não guia a ninguém. Apenas consome. Ensina padrões repetitivos de controle. Estamos submetidos a vícios de comportamento no nosso dia a dia que colaboram para o controle do ego. Temos de colocar o Eu Verdadeiro para fora e começar a confrontar a isso. Ter inteligência para superar as sutilezas do mundo que nos cerca. O mundo que não quer de forma alguma que superemos ao seu controle.

Quando as vozes começam a se calar, as feridas começam a serem curadas. Aí vem a percepção do que nos cerca. Olhas as pessoas empunhando suas máscaras. A forma humilhante que dependem do mundo. A inconsciência geral. A impossibilidade que temos de ajudar aos que nos cercam. Poucos são capazes de utilizar a própria inteligência para se perceberem. Poucos são os que se dedicam a ter uma vida além daqueles que apenas seguem o fluxo. Como um rebanho para o abate, apenas esperando o instante final.

E assim todos repetem e repetem os padrões mentais. Os pensamentos eternos em uma só coisa. A única preocupação. A sede eterna pelo que não sacia. Os desejos desenfreados por tudo que está fora. A mesquinhez. A necessidade de atenção que tira qualquer um do centro. Não é possível a alguém se centrar, se aquele que está do lado pede incessantemente atenção. Todos querem ser vistos. Todos querem mostrar suas novidades, o quanto evoluíram, o quão são especiais, o tanto que conseguiram na vida. Porém, isso tudo é conquistado apenas para o outros.

As crises vêm e vão. Doenças, problemas financeiros, amorosos, no trabalho, com a família, brigas com amigos e desconhecidos. Alguns momentos de reflexão, quem sabe com contato consigo mesmo. E então a repetição dos padrões.

Repetições de padrões mentais. Repetições de pensamentos. De comportamentos. Repetições de gestos. Repetindo o que todos repetem. Fixar-se em apenas um pensamento. Fixar-se em pensar eternamente. Nunca despertar no pensar. Parar a mente. Extinguir o dialogo interno. Entregar-se e deixar-se perdido em tantos pensamentos que não conseguimos olhar dentro. Fora o coletivo. Dentro a tempestade.

Os anos passam. Cronos consome a tudo e a todos. A impermanência, a proximidade da Morte. O medo.

Existe o real medo. Assim como existe o medo do ego. O medo de perder uma pessoa, da pobreza, de não conseguir fechar um contrato, de perder o emprego, de ser assaltado, de que descubram a verdade sobre quem somos. Mas que no fundo não somos, pois não estamos em contato conosco. Medo fútil.

E assim segue a vida. Todos procurando viver bem, procurando a felicidade. Afinal, todos têm o direito a ela, não é?

Um dia a felicidade nos é tirada junto com a vida. O desespero se inicia. Colocados em um caixão, prontos para sermos esquecidos com a eternidade.

Putrefação.

E qual a diferença? Estávamos mortos em vida.

Os funerais repetem-se: Seu Tempo é curto.

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